A ideia de que vivemos numa sociedade cada vez mais individualista, sob o reinado do cada um por si, pode em breve dar lugar a outra, que vem crescendo silenciosamente. O que se passa, neste inicio do século XXI, é uma verdadeira mudança de paradigma, de acordo com muitos pensadores da atualidade. Para se ter uma ideia exata do que falamos, é preciso se desprender por um instante da nossa forma atual de olhar para a sociedade contemporânea.
A corrida aos lucros permanece e as relações sociais ainda estão marcadas pela desconfiança mas, mesmo assim, uma nova cultura do “nós” está emergindo. Uma tendência à valorização da solidariedade já é particularmente visível nas redes sociais, onde comunidades de “compartilhadores” de toda espécie vem surgindo. Trocas, acordos de permuta, intercâmbio de apartamentos, compras coletivas, financiamentos participativos: uma nova economia colaborativa já se estabeleceu.
Nos últimos 60 anos, houve primeiro uma explosão das psicoterapias e das práticas de desenvolvimento pessoal. A seguir, a afirmação de uma consciência ecológica de amplitude inédita vem se dando: poderiam estes movimentos já ser considerados manifestações de uma outra forma de pensar a existência? A verdade é que cada vez há mais engajados na tarefa de encontrar uma nova maneira de “fazer” a sociedade, preservando-lhe os recursos naturais e buscando um bem-estar coletivo.
Na atual cultura do individualismo, as relações interpessoais foram esvaziadas de tal forma que o “outro” foi reduzido a um simples objeto, estando ali apenas para prover o prazer de alguém. O que passou a valer para cada um foi o engrandecimento do seu “eu”, às custas do outro. Se nos voltarmos para o fato de que, nos tempos atuais, a visão que se tem do mundo dá-se a partir de um ponto de vista auto centrado, de onde não é possível sequer notar a existência do outro, o surgimento de uma nova filosofia de vida de regozijo, criativa, propícia aos encontros e à reinvenção do viver em comunidade, temos que admitir, é uma verdadeira revolução!
Por tudo isso é que um novo e recente olhar está atento à experiência da fraternidade. Pois ela é uma das poucas esperanças de uma espécie de “antídoto” contra o narcisismo e o modelo de sociedade que o alimenta. A fraternidade estaria deixando os laços da família (onde se originou), para ser vista como o prenúncio de um novo tipo de sociedade, onde o outro volta a ter importância para alguém.
Mas nem tudo é só otimismo em relação à possibilidade de virmos a fazer parte de uma sociedade essencialmente mais fraterna e solidária. Isso porque a fraternidade tem uma característica interessante: ela só é possível a partir do momento em que admitimos que não somos auto suficientes. De forma geral, costumamos ter em andamento, dentro de nós, um processo de recusa em aceitarmos nossa própria fragilidade e dependência dos outros. A sensação de desamparo, inerente à condição humana, nos leva ao impasse: ou acatamos a ideia de que precisamos do outro como um igual (que então poderá nos ajudar na insegurança que ela nos causa), ou nos agarramos à nossa ilusória (e narcísica) crença numa auto suficiência. A sensação ilusória de auto suficiência se coloca em cena quando nossa onipotência prevalece e desfaz internamente na pessoa o sentimento de precariedade, trazendo um certo “conforto”.
Quando mantemos nosso foco somente em nós mesmos, o nosso “eu” se hipertrofia, e nos insufla uma crença em nossa auto suficiência. Por todo este jogo de forças em nosso mundo interior, é que os que estudam o assunto acreditam que, apesar dos avanços, o maior obstáculo à formação de uma sociedade fraterna e igualitária seria este traço de onipotência, que dissolve de imediato, sem piedade, qualquer impulso de solidariedade.