Honestidade

Comportamento
25.ago.2015

Será possível ficar fora da sensação de desamparo que se abateu sobre todos nós, brasileiros, neste último ano?  Como não comentar a tristeza que tem sido assistir aos noticiários, semana após semana?  Muitos, propositalmente, já passam dias sem os assistir. Um tipo de alienação forçada, como medida de sobrevivência. Sabe quando parece que não dá para engolir mais nada, tem que dar um tempo para digerir a história até aquele ponto?  Nossa realidade tornou-se intoxicante a um ponto que não se consegue nem conversar sobre isso. Mas, mesmo sem tocar no assunto, não há como ignorar o desalento que tomou conta de todos, nem a certeza de que, para reparar o estrago, muitos anos serão necessários. E, no caso de muitos de nós, há ainda que se tomar consciência de que não veremos o país como sonhamos, no lugar. Sem pieguices, apenas a realidade: não viveremos o suficiente para isso.

Em tempos em que mentira e desonestidade deram-se as mãos e ultrapassaram nossas fantasias mais pessimistas para se tornarem uma inacreditável realidade incorporada às nossas vidas; em que um emaranhado de enredos emerge diariamente, colocando nossa capacidade de compreensão à prova, como acordar todos os dias para uma existência de mínima normalidade? No momento, o que mais vemos ao nosso redor são discussões em torno de uma questão crucial para o ser humano: a honestidade. O que é ser honesto? Onde será que se esconde a desonestidade de cada um? Ou seja, a desonestidade também nos habita? O que nos faz, a todos, agir de forma honesta ou desonesta? Somos nós, brasileiros, um povo intrinsecamente desonesto, como algumas vezes ouvimos dizer?

Não temos a menor pretensão de conseguir chegar a respostas definitivas para tantas indagações. Mas algumas noções são bastante evidentes a todos nós, e a proposta hoje é apenas tentar colocá-las em ordem, trazendo um pouco do imenso volume de detalhes que percebemos e armazenamos meio sem prestar atenção, sem que paremos para pensar a respeito.

Já reparou como gostamos de nos ver como pessoas honestas? Temos de nós mesmos uma excelente imagem a este respeito, em geral. Esquecemo-nos de nossas pequenas transgressões com facilidade, especialmente quando “todo mundo também faz”. Numa sociedade onde as leis não são respeitadas é mais fácil transgredir e ficar em paz com a própria consciência. Se as pessoas não tem as leis em suas mentes por algum motivo ( pelo fato de não serem aplicadas, por exemplo) é mais fácil agir como se elas não existissem. Pequenas infrações de trânsito nas grandes cidades, como avançar um sinal para fugir de um possível assalto, acabam virando um comportamento disseminado a ponto de se tornar o mais praticado. Quem age assim, ao final de algum tempo, não se sente cometendo nenhuma falta.

E quando não tem ninguém olhando, será que faz diferença para nós? Entra em cena nessa hora a cultura do nosso “duplo eu”, ou seja, a pessoa que somos de verdade e a que queremos aparentar ser. Vale para reflexão. Já reparou também que sempre buscamos uma justificativa para nossas transgressões? Se formos capazes de encontrar justificativas para agir de forma desonesta, mais chances teremos de incorrer em desonestidades. Pode mesmo parecer difícil de aceitar, mas o que estamos falando aqui não é novo, e todos sabemos disso. Embora, repare nisso, a tendência maior do ser humano seja agir de forma honesta, a propensão para a desonestidade também existe em todos nós. O antigo dito popular da “ocasião faz o ladrão” já anunciava o que estudiosos do assunto hoje comprovam.

Mas não é só a ocasião: as regras que compõem o ambiente em que vivemos são de extrema importância. Em última instância, são estas as regras que, na prática, nos restringem ou não. As normas que forem adotadas como valores no meio em que vivemos determinarão nossa conduta em grande parte, e isto pode não ter a ver com as leis publicadas. Se vivemos num meio onde a desonestidade é aceitável, se não nos tornamos pessoas mal vistas no ambiente social que frequentamos, se somos tão bem aceitos quanto o são as pessoas honestas, nossa propensão a práticas desonestas, infelizmente, será maior. E aí, quando já nos aceitarmos como desonestos, será uma espécie de início do fim, ou seja, dificilmente voltaremos a ser como antes.

Qual seria, então, o segredo de algumas sociedades, que possuem índices maiores de honestidade do que outras? Novamente, os estudiosos vem nos socorrer na tentativa de entender o que vivemos:  já está provado que existe, na cultura de certos povos, algo que influi na decisão individual de ser honesto, mesmo em ocasiões em que  a honestidade não é recompensada nem a desonestidade punida. Algo como o conjunto de valores de uma sociedade, que precisa ser consistente a ponto de propiciar a confiança e a colaboração entre as pessoas, forma o grande diferencial.  E, como sabemos que confiança é fundamental para que uma sociedade funcione de fato, ficamos a pensar como faremos para recuperar a nossa.

E você, tem alguma ideia de  como faremos para retomar a confiança uns nos outros?

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