A mente que passeia

Comportamento
22.jan.2020

Sou uma eterna fã do comportamento brincalhão dos adolescentes, da maneira divertida com que se relacionam entre si em seus grupos, sempre rindo uns dos outros e, ao fim das contas, de si mesmos. Hoje, num passeio mental, me lembro dos meus próprios grupos da juventude, quando o riso era mais fácil e a risada explodia o tempo todo. A piada era imprevisível, surgia espontaneamente, que delícia quando o humor nos surpreende!  Quando tudo pode virar piada, acabamos rindo de nós mesmos, a saída mais saudável que existe. Nesse território do humor ainda tive muita sorte, aprendi que em família também era possível viver assim. Culpa de meu pai, sempre me surprendo com seu bom humor, de certa forma um eterno adolescente em suas ironias. E filosófico, ao jeito dele…

Mas quando minha mente aterrissa e volto ao presente, me lembro que, antes de embarcar em minha secreta viagem, estava me sentindo isolada no meio de uma turma de jovens desconhecidos, que agem de forma ligeiramente parecida com aquela em que eu pensava. Só que estes de hoje já são adultos jovens, não mais adolescentes.  São um grupo fechado e só me resta observar e devanear, já que não estou incluída. Devaneios, que bom que existem, evitam bocejos inconvenientes em conversas onde somos peixinhos fora d’agua. Os rapazes brincam entre si, as zombarias de sempre. Já as moças ficam de fora, não entram na conversa de início. Fico intrigada: será uma turma do tipo “menina não entra”? Logo vejo que não, elas entram sim, mas com uma fala meio padronizada, que se resume a algo como “olha-como-conheço- gente-bacana”. E também falam muito sobre compras.

Começo a me distrair, e lá vem de volta os devaneios. Cultivamos nossa mente passeadeira, que gosta de observar, associar, lembrar e nunca estamos sós, não é fantástico? Se deixamos a mente passear viajamos quase sem perceber, sem nem sair do lugar. Mente solta, lá vai ela, a nos levar por nosso passado, encadeando-o, só para nós, com o momento presente. Naquele momento, me transporto de volta ao meu antigo grupo de jovens casais, quando os maridos criticavam as conversas das mulheres, dizendo que só falávamos de crianças e creches…  É só um pouco verdade, falávamos muito também dos pediatras, quem tinha o melhor? E discutíamos qual era a “melhor” escola, certamente aquela que cada uma de nós havia escolhido para seu filho… Talvez não fosse mesmo uma conversa interessante, ainda mais que a criação dos filhos, naquela época, ainda era uma das tarefas delegadas à “condição feminina”.

Aqui para onde volto hoje, o assunto já ficou um pouco diferente, são duas grávidas que trocam impressões: “meu médico é fulano, ele me permitiu isso e proibiu aquilo…”  A lista de proibições me surpreende, comparações são inevitáveis, mas acho melhor só ouvir, evitar polemizar. Gravidez já deixou de ser um evento corriqueiro como foi até um passado recente e, se deixarem, logo será tratada como doença, merecedora de infinitos cuidados médicos.

Ao fim das contas, constato que os rapazes continuam sendo mais hábeis no manejo do humor. E comparo duas gerações de mulheres, cada uma no seu momento, às voltas com a excitação e o entusiasmo em torno da experiência de ter filhos. Obviamente, com as devidas diferenças e semelhanças. A pergunta vem até sem querer, mas fica só dentro da cabeça: quanto tempo dura a “festa” de ter um filho? Hoje, as grávidas são mais raras e quase sempre veneradas pelas outras mulheres de  seu grupo social. São o centro das atenções, talvez como nunca antes. Instala-se, ainda durante a gravidez, o início de um longo período de muitas compras, atual remédio para angústias de todo tipo.  No tempo que passou, nossa ansiedade era em torno das escolhas: quem saberia criar os filhos da forma mais liberal possível, quem seria capaz de fazer com que tivessem “uma boa cabeça”, que fossem mais felizes, carregassem menos traumas…

O que nenhum dos grupos pode perceber, enquanto vive essa fase de expectativas, é a amplitude da tarefa que terão à frente. Vamos dizer que sejam lá uns bons 25 anos de muito empenho por parte de mães e pais para tentar ajudar seus herdeiros a não se sentirem, pelo menos, seres tão desamparados quanto costumamos nos sentir nós, humanos em geral… E, após tantas compras, planos e escolhas, se conseguirem isso, já terá sido bastante bom o resultado, não é mesmo?

simone_sotto_mayor

 

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