Nos dias de hoje, sobrevivemos melhor quando aprendemos a desconfiar e a duvidar, a princípio, quase sempre. É justo que nos indaguemos: será que ainda nos lembramos do que sejam pessoas de boa fé? A impressão é que andam mais raras, nesses tempos em que o descompromisso com a verdade e a facilidade com que se produzem mentiras se tornaram corriqueiros. A mentira passou a ser quase “normal’, de tão frequente, dizem alguns, comentando os infortúnios da nossa sociedade.
O respeito à verdade é o valor maior para as pessoas de boa fé, é o que as norteia. E é por isso que dizem e sustentam apenas aquilo em que acreditam, mesmo que estejam enganadas. Ser de boa fé significa “dizer a verdade sobre o que cremos” e é o oposto da mentira, da hipocrisia e da duplicidade, todas formas de má fé. Diz o filósofo André Comte-Sponville: “ser sincero é não mentir a outrem, ser de boa fé é não mentir nem ao outro nem a si.”
E existe mesmo muita diferença entre dizer-se a verdade porque se é obrigado a isso (ou porque ela nos serve a algum objetivo) e escolher dizer a verdade mesmo quando não importa a ninguém, a não ser a si mesmo.
O amor à verdade é tão intenso numa pessoa de boa fé que passa a comandar seus atos e palavras. E é esta característica que deixa essas pessoas meio “fora do tom” nos dias de hoje. Como são verdadeiros, acreditam que os outros também o sejam, sem distinção. Não desconfiam, em princípio, de nada do que lhes é dito e acolhem tudo como se verdade fosse. Julgando os outros por si, acabam por não distinguir as regras sociais necessárias para transitar entre os diversos grupos sociais, tornando-se vítimas fáceis de manipuladores de diversos tipos.
Além disso, falta-lhes a malícia para sobreviver na selva que se tornou o campo das relações interpessoais, onde o exibicionismo e as performances são o que está valendo. Talvez não cheguem a sofrer por causa disso, pois não se dão conta de ironias e críticas sutis, não conseguem identificá-las. São vistos como ingênuos ou como tolos. Só que veracidade não é idiotice.
Os jogos sociais, por outro lado, vem se tornando mais e mais difíceis, com a contínua fluidez de regras, a mudar rapidamente. É possível, entretanto, detectar a direção das mudanças: caminhamos para o descompromisso, a superficialidade e a inconsistência ou, em última instância, a inverdade em suas versões mais grotescas. A boa fé, ao contrário de tudo, simplesmente interdita a mentira.
Por isso é que as pessoas de boa fé terminam por ser reconfortantes oásis em nossa existência: o amor à verdade é algo tão essencial nelas que nos traz de volta a noção do valor inestimável. Quão valiosa para todos nós tem se tornado a verdade? Fazíamos questão dela como a exigimos hoje? E quantos, dentre nós, se dizem pessoas de fé quando isso, muitas vezes, não tem nada a ver com o simples e consistente amor à verdade?