O poder na relação a dois

A Dois
26.dez.2017

Até um tempo atrás, um determinado tipo de homem não era percebido nem valorizado. Estudos mais recentes revelaram que, embora constituindo ainda hoje uma minoria entre os tipos masculinos, estes homens existem. São pessoas que têm como característica básica a crença na democracia em todos os aspectos da vida. Assim, entre outras coisas, vêem o amor como uma experiência que não dá privilégios de posse sobre o ser amado.

Eles têm uma tarefa bastante árdua para exercerem suas convicções na esfera afetiva, pois valorizam a coerência e exigem tanto quanto estão dispostos a oferecer. Em geral, não precisam andar apregoando ou exibindo sua virilidade e ainda têm a coragem de revelar suas fraquezas. Têm, entretanto, que abrir espaço à força entre os que tentam obrigá-los o tempo todo a adotar o modelo estereotipado da nossa sociedade patriarcal, que estimula nos homens o autoritarismo e a onipotência.

Será que tais indivíduos não têm consciência dos privilégios de posse sobre a mulher que o sistema patriarcal lhes concede? Eles têm, mas optaram por abrir mão deles por serem, sobretudo, pessoas avessas a qualquer tipo de discriminação. Assim, se recusam a discriminar as mulheres e até têm um interesse genuíno pelo gênero feminino, pois se enriquecem com as experiências que provém de indivíduos que são diferentes deles.

Este tipo de homem recebe de volta o que tal atitude (de posse) lhe teria confiscado: os afetos, a ternura, a possibilidade de entrega e de ser, sem exigências, nada além do que ele mesmo. Não tendo que assumir um personagem que incorpora como características ser o invencível, o melhor, o que sabe tudo, o que não sente medo e que é sempre forte, ele se distancia do papel de herói, se humaniza e passa ter a oportunidade de vivenciar relações amorosas bem mais leves e cheias de prazer.

Curiosamente, isto nem sempre acontece, pois uma boa parte desses homens não estabelece uma relação afetiva tranqüila e equilibrada. Muitos até se ligam a mulheres autoritárias e intolerantes, em relações onde recebem críticas constantes até terem a auto-estima minada. O  que se constata é que as relações a dois que são fortemente calcadas no poder de apenas um dos componentes, tendem a ser mais freqüentes do que aquelas em que a divisão do poder é equilibrada. Assim, muitas vezes, continua funcionando o modelo do casamento tradicional, só que com o homem desempenhando o papel submisso que antes cabia à mulher.

As relações afetivas fundamentadas nos princípios de igualdade continuam sendo, sem dúvida, as mais difíceis de se estabelecer. Isso ocorre porque é preciso que, na sua base, ambos os indivíduos envolvidos tragam consigo a decisão de combater a discriminação e o autoritarismo. Que sejam autênticos liberais e que aceitem verdadeiramente as diferenças em seu íntimo, são condições essências de parte a parte para que tais relações possam ocorrer.

É verdade que os homens de que falamos existem em um número escasso, em meio à população masculina. Aliás, este é o argumento mais prontamente levantado pelas mulheres, quando se aborda este assunto. Mas também é verdade, embora não seja dito com a mesma freqüência, que não são tantas também as mulheres em condições de valorizá-los. Pois as pessoas de qualquer gênero que aderem e pretendem ser coerentes com os valores solidários são poucas.

E se as mulheres não os encontram, em parte se deve perguntar se elas já não estão suficientemente sensíveis para apreciar este outro modelo de homem. Afinal, as mulheres também estão inseridas na sociedade patriarcal, que muitas vezes menospreza esses homens, chamando-os de “molengas”, “frouxos”, numa inequívoca alusão a uma suposta impotência sexual.

Por fim, é bom lembrar que, sem dúvida, as mulheres ainda podem contribuir e muito para que esses valiosos indivíduos não se tornem cada vez mais raros. Se vierem a rever suas atitudes com relação à educação de seus filhos homens, estarão evitando perpetuar tais valores e propiciando às futuras gerações possibilidades de encontros mais saudáveis.

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