A certa altura da vida

Comportamento
19.jun.2018

A certa altura da vida, já nos deparamos com a finitude (ou, falando de forma mais simples, com o fenômeno da passagem do tempo e a morte) algumas vezes. Dentro de nós já há o registro do valor do tempo, aprendemos o quão rapidamente ele passa. Com um pouco de atenção, passamos a perceber a presença de inúmeros sinais, cuja função parece ser a de nos lembrar do escoar do tempo. Por vezes, são associações mentais que nos trazem de volta quem ou o quê já perdemos. Nesses momentos, a consciência de quem está e quem não está mais por aqui torna-se, momentaneamente, um campo nevoento. No meu caso, isso acontece de forma corriqueira: um dia, é uma chamada da televisão ligada ao longe que proclama a chegada da Copa na Rússia. Imediatamente, penso que é inevitável aceitar que meu irmão se foi, afinal, lá estão a me dizer que já se passaram quatro anos. Meu irmão se foi no dia da final do Brasil com a Alemanha. Flamenguista e fanático por futebol, parecia até aguardar, no seu sono ininterrupto de oito semanas, o final da Copa no Rio de Janeiro. Partiu logo após o término da partida.

Algumas semanas antes desse episódio, eu estava na Suíça e a noite era linda. Sem sono por causa da diferença de fuso, peguei uma revista qualquer para ler. Abri e tomei um susto ao ler que a revolução russa está fazendo 100 anos! Por que? Simples: sempre associei a revolução russa ao ano de nascimento de meu pai. Logo me veio o pensamento: “nossa, se estivesse vivo, meu pai já ia fazer 100 anos!” Naquela noite, pensei no quão improvável é se chegar aos 100 anos. E desde então, toda vez que me lembro dele vivo e alegre, vem um consolo: a probabilidade de que meu pai ainda estivesse por aqui hoje diminuiu muito, pouquíssima gente chega aos 100 anos. Com isso, a perda fica mais natural, mais aceitável, já que seria quase inevitável. Se pensar um pouco mais, ainda me surpreendo com o fato de que já faz mais de 10 anos que ele se foi. Sua presença ainda é fresca, parece que o vi recentemente.

A tal passagem do tempo toma meus pensamentos com frequência, o tempo cronológico não tem nada a ver com o tempo interno, que é o tempo sentido por cada um de nós, totalmente individual, portanto. Penso nas coisas que meu pai me dizia, no tanto que me ensinou, sem nem saber que estava ensinando. Está tudo aqui, guardado comigo, a cada ano mais vivo, até. Há em mim uma certa nostalgia quando constato que não sabia avaliar o valor das lições de vida na época de nossas conversas. É minha maturidade quem dá a ele e a seu saber o peso e reconhecimento merecidos. Nas minhas reflexões, chego a pensar que em minha existência, sigo conhecendo e aprendendo coisas com muitos homens inteligentes, mas nenhum como meu pai. Penso nisso e imediatamente acho graça, é um momento em que a menina que ainda trago em mim se manifesta.

Que coisa fantástica são os referenciais que carregamos conosco vida afora! Vamos nos modificando, evoluindo (espera-se!), e os bons registros vão sendo melhor aproveitados, em nossa releitura. Hoje, meu pai ainda me faz falta. Queria tomar com ele mais um café no posto de gasolina da Lagoa, num daqueles domingos de manhã em que ele vinha me ver. Nem estou mais na Lagoa, nem ele neste mundo. Mas o trago comigo, com amor.

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