“Ghosting”

A Dois
17.jul.2018

Veja se esta história lhe é familiar: você conhece alguém, vocês começam a sair juntos, as coisas parecem estar indo bem e até progredindo em direção a um relacionamento. E, de uma hora para outra, você não tem mais notícias da pessoa, que não responde às suas mensagens, e-mails, telefonemas. Isso, que por aqui já foi conhecido por vários nomes, em inglês é o “ghosting” (ao pé da letra, virar fantasma). A expressão foi registrada em 2015 no respeitado dicionário Collins, da língua inglesa, bem como o verbo “to ghost”. Este é mais um comportamento contemporâneo que, ao ser reconhecido e oficialmente registrado, parece ter vindo para ficar.

Antes que digam que isso é coisa de gente jovem, saibam que um julgamento apressado nos levará a um equívoco. O fenômeno da atualidade, esta forma de abortar relacionamentos, não é exclusiva do pessoal mais jovem. Adultos de meia idade e mesmo “seniors” estão adotando o mesmo comportamento, segundo os que se dedicaram até aqui a estudar do assunto. O que seria considerado uma atitude imatura até pouco tempo atrás deixou de ser, então?

Parece que sim. Sejam adolescentes ou sessentões, não há hoje muita diferença quando a questão é “assumir” um namoro. Escrevi sobre isso em 1999, quando ainda era um comportamento que surgia aqui e ali, e hoje minha impressão acompanha as conclusões dos estudiosos: os aplicativos mudaram, em caráter definitivo, as regras do jogo. O que está em vigor universalmente é a convicção de que todos temos direito a sermos direcionados apenas por nossos próprios interesses. O que isto quer dizer? Que perseguimos o prazer e evitamos a dor, não importa que idade tenhamos. Entender isso, quando se está na cena, é que pode ser bastante difícil.

E por que as pessoas passaram a agir assim? Para a maioria, começar uma conversa de ruptura de relacionamento, onde se vai basicamente dizer que não há mais interesse no outro, sempre foi difícil. A possibilidade de a conversa evoluir para um confronto existe e assusta. As pessoas que hoje praticam o “ghosting” buscam uma forma segura para si de terminar um relacionamento, não se importando com o fato de que o outro possa se sentir desconsiderado nem com as consequências emocionais que sua atitude possa acarretar na outra pessoa. Entrevistados numa pesquisa disseram claramente que confrontar “dá trabalho”, que as reações do parceiro podem ser “inusitadas” e que simplesmente ignorar o outro é mais fácil e eficaz: “você termina rapidamente e sem nenhum risco de aborrecimento”, foi um argumento bastante comum.

Embora lutar contra o que já está estabelecido e consagrado na prática seja inútil, não custa pensar no quanto as coisas mudaram, num espaço de tempo tão curto. Se olharmos para o atual panorama, e se recuarmos a apenas alguns anos atrás, vamos nos lembrar que Bauman, sociólogo polonês recentemente falecido, há uns dez anos se indagava se já tínhamos atingido um ponto sem retorno neste e em outros tipos de “descarte” sumário de pessoas. Ele comentava que tudo indicava que estávamos perdendo o respeito humano e a decência, em nome de nosso “direito ao individualismo”.

Hoje e sempre, devemos nos lembrar que estamos lidando com pessoas de verdade, com sentimentos reais e que o silêncio causa mais angústia e fere mais do que a verdade honesta.

 

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