Todos nós sonhamos com a intensidade em nossas vidas, idealizando o que é intenso como “o melhor”. Só que, parando rapidamente para pensar, vamos nos dar conta que não há intensidade a não ser pelo contraste. Tive um professor que gostava de repetir que ninguém sobreviveria a um concerto, se a música tivesse somente momentos que nos arrebatam. E ele completava: “a mesma coisa com a relação sexual, já pensou se tudo fosse um único e longo orgasmo??”
Seria preciso, então, se entediar, se aborrecer com a vida, para estarmos prontos a desfrutar de fato da intensidade tão sonhada? Parece que sim: dizem os estudiosos que precisamos ter experimentado o vazio para um dia identificar o sentimento de plenitude. Até que faz sentido, não é?
Nossa paixão por uma “vida intensa”, se for investigada firmemente, revelará mais uma ausência de desejos “consistentes” do que a profundidade desses desejos. Desde sempre, os filósofos entenderam que o desejo surge de uma falta que sentimos como impossível de ser preenchida. Vivenciamos esta falta e criamos, a partir dela, nossos projetos, sonhos e cultivamos nossas ambições. Em geral, deveria ser a realização desses sonhos que nos levaria à tal “vida intensa”.
Por outro lado, sabemos que não há nada mais eficaz do que a agitação frenética de nossos dias para nos afastar de nossos sonhos e projetos. O ideal, para ter foco, seria não nos envolvermos tanto com tudo de turbulento e fugaz que o mundo à nossa volta nos traz. Mas, quem consegue se treinar a “ouvir” do mundo exterior não muito mais que o essencial para a sobrevivência? Em geral, não queremos perder nada do que passa diante de nós, pois nossas expectativas costumam ser elevadas em relação a uma intensidade vinda do exterior. Tudo isso por não nos darmos conta de nossa própria intensidade, da força de nossa singularidade, da riqueza do que se passa conosco interiormente ao longo da vida.
E como esta “força,” que vem do interior, se manifesta? Todos já a sentimos: por ocasião de um intervalo nas atividades habituais, ao acordar ou ao caminhar pela cidade, no chuveiro ou na cama, a qualquer momento, enfim, assistimos, como espectadores, ao surgimento da ideia original, inesperada, ou da solução , por exemplo, que buscávamos. E muitas coisas, além de respostas para problemas da vida, surgem todo o tempo em nossa mente. No caso da ideia ou solução, é muito curiosa a espontaneidade com que ela surge para nós. Porque relaxamos e deixamos o caminho livre, a mente solta, é que ela chega a nós, vinda justamente de nosso interior. Só é preciso haver uma baixa na intensidade habitual do dia a dia para captar e acolher esse fluxo de energia vital.
Admirar verdadeiramente a vida, apreciá-la plenamente, e talvez amá-la sem exigir dela nem uma intensidade permanente, nem um equilíbrio perfeito: este pode ser o nosso maior objetivo, a certa altura de nossa trajetória pessoal. A vida não precisa ser perfeita nem intensa para ser, por si, uma sorte, um privilégio. Ela sempre teria podido não ser, e nós também, aliás. E isto já é muito.