Na atribulação em que vivemos, principalmente nos grandes centros urbanos, refeições com a família reunida à mesa vem se tornando raras. Vale a pena fazer um esforço só para manter a tradição? A resposta é um enfático “sim”. Vale a pena estabelecer uma rotina de comer à mesa, com a família reunida, sempre que possível. Mas nada a ver com tradição e sim com a consciência de que a refeição é um momento de intensidade peculiar. É quando pais, filhos, amigos e parentes sentam, escutam, trocam e compartilham. Uma ocasião de dividir, de transmitir, de criar laços.
Há tempos que muitas pessoas vem se dedicando a estudar o tema e reiterando que, em nossa sociedade, comer não é questão apenas de alimentar e degustar. Recentemente, em seu “Dicionário das Culturas Alimentares”, Jean-Pierre Poulain, sociólogo e antropólogo, criticou severamente o que chama de “o desvio gastronômico” da atualidade, que consistiria na tendência a reduzir a experiência à mesa à sua dimensão gustativa. Como outros, ele defende o conceito de que os alimentos e o ato de comê-los são muito mais que satisfazer o paladar, devido ao prazer da troca e da convivência, que perdura após a última garfada.
A recomendação dos que estudam o assunto é que pais e mães acostumem as crianças a sentar-se à mesa, não somente para comer mas, sobretudo, para conversar. Quando este hábito é introduzido, os filhos aprendem a valorizar o momento, mesmo que os pais não sejam ótimos cozinheiros. Dezenas de estudos tem mostrado que as refeições feitas em família ancoram todas as aprendizagens fundamentais na criança, da linguagem à confiança, passando pela estima de si. Ao redor da mesa, os filhos pequenos contam de seu dia, enquanto os pais lhes ensinam as “boas maneiras”. Já o ato de comer junto com filhos adolescentes e conseguir garantir um clima bom, de interação, certamente ajuda na prevenção de dificuldades maiores típicas dessa fase. As pesquisas revelam que os jovens associam a refeição em família também à perspectiva de comer bem, de forma mais saudável do que na rua, no seu dia a dia. Mas é bem mais que isso. Que espécie de “mágica”, então, se opera ao redor de uma mesa?
Poderia parecer apenas mais uma rotina da família, na aparência, mas não: para os sociólogos e os pesquisadores em psicologia, é aí que residem as bases do próprio tecido familiar e, por consequência, social. Trata-se de uma ocasião em que os filhos se sentem ouvidos, acolhidos e, desse modo, amados. Por tudo isso é que refeições em família já estão consagradas como sendo uma das melhores oportunidades de compor nossos laços familiares, seja com filhos, netos, ou com quem mais participar. E quando uma família atravessa momentos de transformação, como por ocasião de divórcios ou de novas uniões? Nesse caso, não há dúvida que as perdas e ganhos envolvidos farão com que a implantação deste hábito seja ainda mais fundamental. Refeições são um contexto onde a conversa pode ser mais lúdica, mais informal, mas também esclarecedora. É onde todos podem se conhecer melhor e dar sua contribuição para o novo núcleo que está se formando.
Em resumo, hoje sabemos que abrir espaço para o que acontece ali, ao redor dos pratos, poderá agregar um outro valor à nossa saúde, em sua vertente emocional. Estaremos propiciando o surgimento da intimidade, que só vem mesmo com o tempo e, com ela, a criação de mais laços de confiança. Estes, por sua vez, são o que traz mais sentido às nossas vidas, como temos sempre comentado por aqui.