Quantas vezes já ouvimos, ao longo da vida, a frase: “ninguém muda ninguém”, ou “ele /ela não vai mudar mesmo…”? Em nossos dias, tal frase poderia muito bem ter perdido o sentido, já que atualmente se sabe que mudar é sempre possível, desde que se queira, de verdade. Ouve-se que cientistas vêm descobrindo como os nossos cérebros podem criar novas e múltiplas redes de neurônios, sempre que nossa forma de perceber o mundo se modifica. E que são as nossas experiências, sentimentos, emoções e convicções que podem criar e eliminar sinapses em nossos cérebros, ou fazer algumas se tornarem maiores e mais fortes. Elas farão os novos caminhos em nossos cérebros, que passarão a abrigar nossas “renovadas edições” de nós mesmos.
Apesar das boas novas, entretanto, as velhas frases ainda fazem sentido para alguns de nós. Os preconceitos que precisam ser vencidos são muitos e, até que se consiga acreditar em tais notícias e se decida transformá-las em mote de vida, é preciso vencer oposições. Dentro de nós mesmos e fora também. Porque, para alguns, a ideia de que um certo grau de transformação psíquica é possível, a partir da nossa vontade, continua a ser apenas uma visão otimista e, quem sabe, um pouco simplista, sem muito charme, da existência humana.
Em nossa cultura, pessoas com um olhar mais otimista em relação à existência humana em geral irão, com certeza, despertar desconfiança em seus pares. O otimismo soará como pieguice ou mesmo infantilidade, ou ainda despreparo para lidar com a “verdade” da vida, que é: “vamos todos morrer um dia, é melhor se conscientizar logo disso”. Devemos ser um pouquinho amargos para parecermos adultos esclarecidos e intelectualizados. Intelectuais não são otimistas, são céticos. Talvez, ou em parte, por medo de parecer tolos.
Grupos ou associações de intelectuais exercem sobre seus membros, com frequência, um forte patrulhamento ideológico. Há aquilo em que se deve acreditar, aquilo em que se pode (opcional) e aquelas coisas em que não se pode, terminantemente, crer.
Um bom exemplo disso são as opiniões difundidas por grupos supostamente intelectuais acerca de alguns livros que discutem, em linguagem acessível, a condição feminina na nossa sociedade. São livros que costumam receber dois rótulos, ambos fatais: uns pertenceriam a uma linhagem tida como enganosa, banal, simplista, dita de “auto ajuda”; outros seriam livros “feministas”, mas num sentido pejorativo da palavra.
O que poderia haver de tão errado com leituras que ajudem as mulheres de nosso tempo a questionar a sua vida e a enxergar possibilidades de transformação pessoal? Qual o problema em aprender a lutar, sozinha ou dentro de um processo terapêutico, contra assustadores fantasmas pessoais, que a psicanálise chamou de “objetos internos”? Verdadeiras vozes persecutórias, eles estão sempre de prontidão para tentar nos desanimar quando fazemos o mínimo movimento em busca de libertação e crescimento. Muitas vezes, é como se rissem de nós e comentassem entre si, dentro de nossa própria cabeça: “lá vai ele/a, acha que vai conseguir”… E quantos de nós não sabem (mesmo!) que esses fantasmas podem ser vencidos, quando perdemos o medo deles e passamos a ter voz própria?
Outra categoria onde alguns livros podem ser afoita e preconceituosamente incluídos é a de “livros feministas”. Ou seja, livros “raivosos”, que insuflariam mais e mais mulheres ditas de antemão “frustradas” ou “mal amadas”… Já vai longe o tempo das feministas enfurecidas e ainda estigmatizamos a palavra e o próprio conceito de feminista.
De minha parte, sempre considerei interessante a “prescrição” da leitura de livros durante um tratamento psicoterápico. Livros escolhidos a dedo, que façam o leitor entender que sua dificuldade não é só sua, e que não está sozinho no mundo. Em minha observação, livros adequados podem acelerar a elaboração dos conflitos psíquicos, e ajudam nas mudanças internas.
De tudo isso, o mais importante que precisamos saber em nossos dias é que mudanças internas podem ocorrer interminavelmente em nossas vidas. Podemos nos desfazer de referências ou modelos antigos, e substitui-los por novos. E mais: que a grande força para que tudo isto ocorra reside na nossa própria vontade, apenas. Bastante animador, não?