Maturidade, humor e recordações

Comportamento
05.jun.2018

Quando é que as outras gerações vão entender os mais velhos? Por que temos que enxergar melhor os que vieram antes de nós apenas quando vai chegando a nossa vez? Cruzamos o umbral da maturidade, e logo adquirimos outro olhar sobre o mundo. Continuamos a percorre-lo da mesma forma, só que recordações se impõem. E passamos a viajar no tempo, inesperadamente, a partir do cotidiano mais insuspeito…

Leio que as mulheres mais velhas de hoje em dia estão se sentindo mais livres para sair, passear, estudar, dar risada com as amigas e me lembro de minha mãe. Quando terminou de criar os filhos, minha mãe foi estudar inglês. Ninguém percebeu, na família, que era só um pretexto para encontrar novas amigas, dispostas a compartilhar mais do que as aulas. Logo formou-se um grupo, auto-denominado “As Descontraídas”: reuniam-se semanalmente para tocar piano, cantar, dançar, ler poesias… Uma graça, especialmente quando penso que isto foi há 20, 30 anos!

Num outro dia, leio sobre homens serem mais capazes de usar o humor do que as mulheres. Imediatamente penso em meu pai, que na velhice apurou ainda mais a habilidade que lhe ajudou a enfrentar as situações de sofrimento ao longo da vida: o humor. Buscava sempre algum viés engraçado, para transformar em cômico um evento infeliz ou desagradável. Estava constantemente rindo de si mesmo e da vida, fazendo caricaturas e finas ironias que levavam todos a dar boas risadas.

Irreverente e criativo, em minha infância me ensinou a “congelar” meus eventuais desafetos e a colocá-los no que ele chamava de “a galeria dos mortos honorários”. Era um recurso e tanto, após as primeiras frustrações mais sérias. Na época, eu sofria com bullying. Ninguém sabia bem o que era isso, mas meu pai enxergava meu desconforto. Com aquela “ferramenta”, me sentia protegida. Passei a por os “mortos/as” na prateleira, mentalmente. E parecia que de lá eles não sairiam nunca mais para me importunar, no que quer que fosse. Na prática, isto significava apenas passar a ignorar os que nos magoam.

Ao final da vida, invariavelmente, nossas conversas telefônicas começavam com sua mesma resposta à minha pergunta de como ele estava: “ Estou respirando, minha filha, isso já deve ser um bom sinal”…

 

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