Fraternidade e solidariedade: há espaço?

Comportamento
10.jul.2018

A ideia de que vivemos numa sociedade cada vez mais individualista, sob o reinado do cada um por si, pode em breve dar lugar a outra, que vem crescendo silenciosamente. O que se passa, neste inicio do século XXI, é uma verdadeira mudança de paradigma, de acordo com muitos pensadores da atualidade. Para se ter uma ideia exata do que falamos, é preciso se desprender por um instante da nossa forma atual de olhar para a sociedade contemporânea.

A corrida aos lucros permanece e as relações sociais ainda estão marcadas pela desconfiança mas, mesmo assim, uma nova cultura do “nós” está emergindo. Uma tendência à valorização da solidariedade já é particularmente visível nas redes sociais, onde comunidades de “compartilhadores” de toda espécie vem surgindo. Trocas, acordos de permuta, intercâmbio de apartamentos, compras coletivas, financiamentos participativos: uma nova economia colaborativa já se estabeleceu.

Nos últimos 60 anos, houve primeiro uma explosão das psicoterapias e das práticas de desenvolvimento pessoal. A seguir, a afirmação de uma consciência ecológica de amplitude inédita vem se dando: poderiam estes movimentos já ser considerados manifestações de uma outra forma de pensar a existência? A verdade é que cada vez há mais engajados na tarefa de encontrar uma nova maneira de “fazer” a sociedade, preservando-lhe os recursos naturais e buscando um bem-estar coletivo.

Na atual cultura do individualismo, as relações interpessoais foram esvaziadas de tal forma que o “outro” foi reduzido a um simples objeto, estando ali apenas para prover o prazer de alguém. O que passou a valer para cada um foi o engrandecimento do seu “eu”, às custas do outro. Se nos voltarmos para o fato de que, nos tempos atuais, a visão que se tem do mundo dá-se a partir de um ponto de vista auto centrado, de onde não é possível sequer notar a existência do outro, o surgimento de uma nova filosofia de vida de regozijo, criativa, propícia aos encontros e à reinvenção do viver em comunidade, temos que admitir, é uma verdadeira revolução!

Por tudo isso é que um novo e recente olhar está atento à experiência da fraternidade. Pois ela é uma das poucas  esperanças de uma espécie de “antídoto” contra o narcisismo e o modelo de sociedade que o alimenta. A fraternidade estaria deixando os laços da família (onde se originou), para ser vista como o prenúncio de um novo tipo de sociedade, onde o outro volta a ter importância para alguém.

Mas nem tudo é só otimismo em relação à possibilidade de virmos a fazer parte de uma sociedade essencialmente mais fraterna e solidária. Isso porque a fraternidade tem uma característica interessante: ela só é possível a partir do momento em que admitimos que não somos auto suficientes. De forma geral, costumamos ter em andamento, dentro de nós, um processo de recusa em aceitarmos nossa própria fragilidade e dependência dos outros. A sensação de desamparo, inerente à condição humana, nos leva ao impasse: ou acatamos a ideia de que precisamos do outro como um igual (que então poderá nos ajudar na insegurança que ela nos causa), ou nos agarramos à nossa ilusória (e narcísica) crença numa auto suficiência. A sensação ilusória de auto suficiência se coloca em cena quando nossa onipotência prevalece e desfaz internamente na pessoa o sentimento de precariedade, trazendo um certo “conforto”.

Quando mantemos nosso foco somente em nós mesmos, o nosso “eu” se hipertrofia, e nos insufla uma crença em nossa auto suficiência. Por todo este jogo de forças em nosso mundo interior, é que os que estudam o assunto acreditam que, apesar dos avanços, o maior obstáculo à formação de uma sociedade fraterna e igualitária seria este traço de onipotência, que dissolve de imediato, sem piedade, qualquer impulso de solidariedade.

assinatura_simone

Artigos relacionados

26 jan

Nossas tias Danielle

Pouco tempo atrás, uma jovem chamou minha atenção para um tema que não havia considerado até então. Fazia muito, disse-me ela, que observava idosos à sua volta, “chantageando emocionalmente” os familiares mais próximos. Em seu grupo familiar, comentou, haviam ocorrido situações que causaram grande desconforto emocional nos filhos adultos do idoso. A intervenção de um […]

  • 2565
Comportamento
24 jun

O medo da finitude

De vez em quando, devíamos nos lembrar que só não envelhece quem morre precocemente. Quem sabe, a partir daí, cada aniversário voltasse a ser percebido como uma alegria, uma celebração, e não a evidência de algo assustador? Mesmo com todas as modificações sociais que o aumento da expectativa de vida trouxe (jovens retardando seu ingresso […]

  • 2783
Comportamento
15 nov

O medo do ridículo: de onde vem?

O medo do ridículo é universal, só que uns o sentem mais do que outros. Quando jovens, em geral todos temos mais dificuldades nessa área, porque tendemos a ter uma identidade mais grupal do que individual. Pensamos da mesma forma que nosso grupo pensa e o medo da rejeição nos faz abrir mão de nossas […]

  • 1585
Comportamento