Dia desses, li que o número de crianças em terapia tem aumentado nos últimos anos e que “estar em terapia” virou sinal de status: pacientes de 9 anos só estariam fazendo terapia porque os amigos também fazem. Fico sabendo ainda que, em determinados grupos, “fazer terapia” tornou-se algo tão bem-visto quanto usar marcas de certas grifes. Tudo isso por aqui mesmo, no nosso universo brasileiro. Como foi acontecer isso??
O hábito de buscar dividir com psicoterapeutas a responsabilidade de educar/criar os filhos vem de longa data. Mesmo sem sintomas muito relevantes, crianças e adolescentes são encaminhadas às psicoterapias. O que poderia ser um instrumento de grande ajuda na construção de relacionamentos saudáveis no ambiente familiar, às vezes revela-se inócuo.
O que se passa, então? Ocorre que, com frequência, os pais só estão inclinados a “matricular” os filhos numa terapia. Não pretendem mudar suas próprias atitudes na relação com os filhos, acham que os filhos precisam “entender” a verdade deles. E pronto. Tampouco estão interessados em ir, ainda que de vez em quando, ao consultório do terapeuta para iniciar um trabalho em parceria. É como se perguntassem: quanto custa? Eu pago! E sumissem. Zero de comprometimento, a não ser com o pagamento.
Nessas condições, o sucesso terapêutico torna-se difícil , porque nada se equipara à ascendência dos pais sobre seus filhos. Por melhor relacionamento que consiga estabelecer com seu jovem paciente, um terapeuta nunca poderá fazer ou substituir o papel de pai ou mãe e “educar” o filho de alguém. Para o terapeuta, além de limitadora, é frustrante a situação de fazer um trabalho onde o apoio e a colaboração dos responsáveis é fundamental. Há pais que dizem, como se fossem eles as crianças: “ah, mas eu não consigo fazer diferente…” Geralmente, o fazer diferente seria fazer da forma saudável. Especialmente para o filho, é claro.
Curiosamente, pais infantilizados, regredidos, que pensam prioritariamente em si mesmos, com frequência tem filhos que se esforçam para “consertá-los”. Pode-se dizer, com segurança, que existem mesmo muitos filhos em terapia que são exponencialmente mais saudáveis que seus pais.
Quando acontece de ao menos um dentre os dois, o pai ou a mãe, conseguir se comprometer com o tratamento, a criança/adolescente apresenta melhoras, faz progressos. Já quando ambos possuem um grau de narcisismo exacerbado, sendo pessoas muito autocentradas, não vão conseguir empatizar com o sofrimento do filho, estabelecendo-se na família uma situação claramente disfuncional.
Ao terapeuta é preciso, nesses casos, discernimento e senso ético para não acabar estabelecendo um tipo de “pacto perverso” com a família. Nele, pais e terapeuta “fazem de conta” que estão desempenhando seus papéis, e a criança permanece “matriculada”. Até comparece às consultas, mas sua terapia terá pouquíssimas chances de acontecer de verdade.