O amor e suas idades

A Dois
25.nov.2014

Alguém pode ser perfeitamente competente, autônomo e responsável em seu domínio profissional e se comportar como uma criança ou um adolescente em sua vida amorosa? Pode-se ser intelectualmente maduro e afetivamente imaturo? Para surpresa de muitos, diríamos: sim, claro que sim! A idade não é um fator determinante para a maturidade afetiva, tudo depende da forma como somos estruturados e de como incorporamos as experiências que vivemos.

Uma postura muito encorajada pela sociedade atualmente é a que nos impele à satisfação imediata de nossos desejos e faz da eterna adolescência um ideal de vida. A busca incessante por sensações e novidades, a utilização do outro como um simples objeto de satisfação pessoal, mais a dificuldade em renunciar ao que quer que seja, são manifestações de imaturidade afetiva frequentes hoje em dia.

O  inverso, ou a maturidade afetiva, poderia se definir, de forma simplificada, como a aceitação de nossos próprios limites. Como consequência, a aceitação dos limites alheios também. O que isso significaria, na prática? Que, contrariamente à criança e ao adolescente, o adulto tem, em tese, noção de suas limitações e aceita viver com elas. Só que isto só se é possível de verdade, se o que Freud chamou de “principio de realidade” for assimilado por nós.  Deu para entender? É o mundo exterior, é tudo o que se contrapõe à ilusão de onipotência e ao principio de “prazer já!” que dominam a mente da criança. O adulto supostamente entende a impossibilidade de ser atendido em todos os seus desejos e aprende a realidade de ter de adiar a realização deles.

A criança pequena, por não ter acesso ainda à verdadeira alteridade, considera o “outro” apenas como o provedor de suas satisfações. Acha que ele existe para atender às suas necessidades e o enxerga unicamente como um objeto ou, no máximo, um parceiro de jogo. Analogamente, um comportamento afetivo infantil por parte de um adulto se traduzirá por uma dificuldade, ou às vezes até por uma real impossibilidade, de perceber o outro dentro de sua singularidade. Essa postura egocêntrica impossibilita a troca, a negociação e o compromisso na relação a dois.

Já o adolescente cria sucessivos objetos de idealização, para em seguida enfrentá-los. Ao mesmo tempo, adolescentes são o tempo todo movidos pela sede de testar os próprios limites, daí a necessidade de terem múltiplas experiências. Nos adultos com postura amorosa de adolescentes, a dificuldade estará na contradição de duas situações que se instalam simultaneamente: a procura da alma gêmea, a única, a que preencherá todas as lacunas e, ao mesmo tempo, a não – renúncia a nenhum prazer, sobretudo àqueles que forem novidades. É daí que virão as resistências a se comprometer de forma duradoura, bem como de aceitar defeitos, falhas e limites dos outros.

Num relacionamento amoroso adulto de fato, já há um e há o outro, que vão compor o “nós”. Mas o saber fazer em conjunto ainda precisará ser construído e ajustado. A base de tudo será a tal consciência das próprias limitações e as do outro. Daí virá a maturidade afetiva, que ocorre quando se evolui a partir das experiências passadas. Nesse ponto, adquirimos a capacidade de flexibilizar, de relativizar fatos de acordo com as exigências de cada situação. Além disso, a postura adulta se caracteriza por uma boa auto estima (leia-se: capacidade de dizer não, de atender a si mesmo em suas necessidades) e pelo respeito ao parceiro, mesmo sendo ele/ela alguém que deseja e ama de forma diferente da nossa.

É importante também assinalar que, na relação amorosa adulta, a comunicação pode ser fácil, simples e  descomplicada, mas isso não impede as discórdias nem os conflitos. O ponto alto da comunicação amorosa adulta é a autenticidade. Por existir uma sólida base de confiança mútua, as pessoas não precisam mais de dissimulações para conversar, tudo flui na segurança da confiabilidade.

E num relacionamento amoroso entre adultos mais maduros, o que será mais provável de ocorrer? Uma mudança importante ocorrerá aqui, e a ternura passará a vir antes de tudo, firmando-se como a principal “moeda de troca”. Cumplicidade, harmonia e complementaridade serão as bases sobre as quais se estabelecerá o modelo de relação amorosa dos adultos maduros. Experiências e dificuldades do passado servirão para trazer calma e frear as eventuais impulsividades. Nesse momento da vida, o mais importante não é mais seduzir o outro e sim, compreende-lo e apoiá-lo. A consciência mais aguda do tempo que passa leva à busca de viver o presente com intensidade, daí surgir uma atenção particular voltada aos pequenos prazeres do cotidiano. A rotina e os pequenos hábitos viram vantagens, percebidas como elementos de estabilidade e de segurança. Na comunicação, muitas  concessões e negociações ocorrem, e disputas pelo poder deixam de existir. Agora, trata-se muito mais de solucionar um problema juntos do que competir pela melhor solução. O essencial é que permaneçam unidos, fortalecendo-se mutuamente. Só é preciso que os envolvidos fiquem atentos para ter sua individualidade preservada. Cultivar relações e atividades pessoais vai ajudar a não colocar no relacionamento expectativas em excesso. E que possam desfrutar do bônus, muitas vezes inesperado, que é uma relação equilibrada na maturidade.

 

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