Depressão, o novo nome da tristeza?

Comportamento
10.mar.2015

Quando se instala, ela pode vir devagar ou de súbito: a tristeza lembra uma nuvem cinzenta a envolver alguém, manifestando-se por uma falta de vontade de quase tudo, mesmo falar ou ouvir pode ficar difícil. Sua primeira providência, digamos assim, é sufocar a energia vital no nascedouro. A partir daí, os dias se tornam pesados, e a vontade de rir ou mesmo de sorrir desaparece. Resumindo, a  tristeza se anuncia sobretudo por uma grande lassidão. Diferente da dor que se abate sobre alguém por ocasião de um luto, ela é menos intensa, mas mesmo assim palpável.

Às vezes, a tristeza pode estar claramente relacionada a um evento, como uma separação amorosa. Ou a mudanças, que em geral não são bem-vindas e podem ser difíceis de suportar, pois muitas vezes são sentidas como perdas. Ganhos são, em geral, mais difíceis de se deixarem registrar em nossa mente.

A mudança em questão pode se tratar de uma transformação no rumo de vida de alguém, desde uma mudança de casa, de emprego, até a ruptura de uma amizade ou de uma sociedade. Pode ser também a saída dos filhos de casa, a impossibilidade de engravidar, a morte de um animal…

As razões são inúmeras e diversas, e não podem ser divididas em categorias. Cada evento que gera tristeza é único, compreensível e respeitável, já que cada um de nós dispõe de uma sensibilidade diferente e será afetado por determinada circunstância de forma única. Fato é que a tristeza quase sempre é o resultado de um sentimento da ausência de algo, que não é percebido pelos demais à nossa volta.

Para completar, pode ocorrer que alguém se sinta triste sem verdadeiramente conhecer a razão, seja porque a princípio nada vá tão mal, ou pode ser mesmo que tudo vá bastante bem. Mas eis que, de repente, alguém nos trata com uma gentileza especial, ou ouvimos alguma história de alguém  e nos vemos inundados de tristeza. Não sabemos de onde vem aquela emoção repentina, e que, no caso, irá desencadear um estado de espírito mais persistente.

O sentimento descrito aqui é um dos que passaram a ser mal recebidos dentro de nossa sociedade onde, cada vez mais, é preciso constantemente dar provas de energia, de motivação e de vontade. Caso alguém seja diagnosticado com alguma doença, aí sim poderá ter sua condição aceita. Se vier a sofrer uma crise rotulada de “síndrome do pânico”, isto é aceitável. Mas estar triste, sobretudo sem um motivo que seja claro a todos, perturba e causa rejeição. Fora de um contexto conhecido, a tristeza é cada vez mais considerada como não justificada, ou mesmo ilegítima, podendo até ser qualificada como “incompetência” emocional.

Para evitarem ser considerados “doentes” ou  pessoas de natureza inferior, muitos procuram não demonstrar sua tristeza, embora o façam com sacrifício. Embora, por uma questão de compaixão e solidariedade, a tristeza devesse ter espaço, ao menos, dentro dos círculos privados, o que vem acontecendo é que, muitas vezes, nem isso é possível. O cerco à tristeza há muito chegou aos funerais, onde aos mais próximos são oferecidos tranquilizantes, impedindo a pessoa de estar ali por inteiro. Não funcionam como anestesia, porque a dor virá de qualquer jeito. Apenas lhe subtraem o direito de vivenciar a experiência de sua perda.

Da tristeza não se fala, mas, de uns tempos para cá, passou-se a falar muito em “depressão”, aquela que supostamente se cura ou se “controla” com medicamentos. O que a grande maioria não parece saber é que o verdadeiro deprimido não anuncia sua depressão e nem mesmo percebe que está deprimido. Ele simplesmente deixa de achar graça na vida, perdendo a vontade de fazer qualquer coisa. Até mesmo de se levantar e sair da cama, ou de falar. E, sempre, sem que se possa associar o início do quadro a nenhum evento externo ao indivíduo. Nestes casos, a depressão vai e vem quando quer a natureza, digamos assim.

A verdadeira depressão é um quadro patológico caprichoso, difícil de reverter, apesar de todo o “arsenal medicamentoso” disponível: assim como surge, ela partirá um dia, quase que ao seu bel prazer. Seu “hospedeiro” é que terá de se acostumar com suas chegadas e partidas. Ainda assim, a palavra “depressão” é hoje melhor aceita do que “tristeza”.

Não é, no mínimo, curioso?

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