Se tem uma coisa de que nunca conseguimos falar é da nossa inveja. “ ‘Nossa’, como assim?”, poderia dizer quem me lê, querendo logo se ver fora da lista. Nossa mesmo, ué, já que somos todos passíveis de experimentar a tal da inveja, sendo esta inclusive uma notícia antiga, conhecida por todos. Não conseguimos, isso sim, é aceitá-la.
Podemos falar de nosso ódio, do nosso ciúme, de nossos medos e de nossas vergonhas. Mas não da nossa inveja. Fazer isso significa mais do que se desnudar, seria revelar nosso lado que mais rejeitamos e, ao mesmo tempo, a parte mais oculta de nosso ser. Justamente por se sentir “a mais feia”, talvez seja ela a que melhor se esconde.
De uns anos para cá, entretanto, passamos a ouvir muito falar de uma tal de “inveja boa”. Seria, dizem por aí, um tipo de inveja especial: supostamente, não faria mal a quem é invejado, por não ser um sentimento destrutivo. O que seria isso, então? Algo situado entre a idealização e a inveja de verdade, aquela que abre um abismo entre nós e quem invejamos, separando-nos para sempre?
A “inveja boa” se apresentaria com aquela mesma sensação de frustração dolorosa, sofrida e silenciosa que experimentamos quando vemos alguém ser, digamos, bem-sucedido onde gostaríamos de sê-lo. Só que, a diferenciá-la da “inveja má”, dizem, não sentimos nenhum ódio por quem invejamos, nem queremos tirar da pessoa em questão o que ela possui. O invejado, seja com suas realizações ou seus atributos, apenas exerce a função de trazer à tona, de dentro de nós, alguma necessidade ou desejo nosso. Mas a seguir, logo, logo, sua imagem desaparece de nossa mente e nada nos perturba mais, tudo passa.
Aqui cabe uma boa dúvida: mas será que isto é inveja de verdade? Se a pessoa que evoca nosso desejo desaparece de nosso pensamento, se não fica obcecando nossa mente, se a esquecemos num instante… a quem invejamos? Porque, para se falar de inveja, é preciso que o outro permaneça no seu devido lugar, que é de continuar incitando o nosso desejo e a nossa frustração. Deu para entender? O invejado de verdade surge diante de nós para ficar ali, a nos desafiar, lembrando-nos da nossa impotência em afastar o desconforto que ele nos desperta.
É por isso que, apesar de ser uma tendência da atualidade, é muito difícil encontrar uma base sólida para se estruturar um conceito de inveja boa. Ainda não ocorreu a nenhum autor, até o momento, algo com que se possa formular o conceito de inveja boa. O que nos faz especular: quem sabe, até, a expressão tenha sido criada na tentativa de dissimular ou atenuar os maus sentimentos de quem a percebeu em si?
Uma alternativa de compreensão é a que oferece Francesco Alberoni, pensador italiano que andou estudando o assunto. Ele propõe chamar de boa a inveja que estimule reações e/ou comportamentos que sejam apreciados pela sociedade. Como alguém que se compara a outro e se sente, por exemplo, feio, sofre de inveja e, depois de uma fase que o autor chama de “depressão invejosa”, aprende a se fazer bonito também. Uma inveja que é corrigida a seguir através de uma mudança de atitude por parte de quem a experimentou.
No lugar da expressão “inveja boa”, diz Alberoni, seria mais adequado então usarmos uma outra palavra, mais antiga e com poucas chances de vingar, mas que aí vai: “emulação”. Ela se refere ao momento em que olhamos para alguém que está melhor do que nós (ou que atingiu um resultado superior) e sentimos um forte desejo de chegar ao mesmo nível. E, a seguir, em vez de sucumbirmos ao desânimo ou à frustração, nos colocamos em ação, aceitando entrar na vida competitiva, segundo as regras estabelecidas pela sociedade.
Só que, ao agirmos assim, já deixamos para trás o universo do invejoso. Sabe por quê? O invejoso de verdade nem entra na competição: simplesmente desqualifica quem lhe faz sentir-se tão mal e já começa a fazer algo para tentar destruí-lo. Não há delicadeza nem brandura, quando a inveja entra em cena.