A privacidade e a banalização do sexo

Mulher
18.abr.2017

A privacidade, tal como foi definida nos últimos dois séculos, parece que está com seus dias contados. A vida privada, ou o que era privado na vida das pessoas, era a contrapartida ao que era a vida pública. O espaço privado da família era resguardado do mundo “lá fora”. Era o lugar em que estávamos à vontade, onde podíamos ser espontâneos, confiantes na presença daqueles que nos eram mais próximos. É pena que nossos lares, em geral, estejam se rendendo cada vez mais às peças publicitárias, com suas sempre presentes mensagens de incentivo à competição entre todos. No nosso antigo espaço privado temos ainda as exibições do sexo como mercadoria e da violência crua, sem nenhuma interpretação ou reflexão. Por causa das grandes mudanças nesta área da separação entre “o público e o privado”, não chega a ser pessimista o pensamento de alguns, de que praticamente acabou a antiga função da privacidade, que era nos ajudar a enfrentar o mundo “lá fora”. O que se passa dentro e fora de casa está cada vez mais semelhante.

Não é de hoje que a exibição de corpos de homens e mulheres tem sido usada como instrumento de propaganda para todo tipo de produtos. E como tudo evolui rápido, hoje é a própria vida sexual que passou a ser apresentada como mercadoria. Assim, a sexualidade deixou de ser algo pertencente à intimidade de cada um, para tornar-se uma espécie de símbolo dos indivíduos considerados bem-sucedidos, econômica e socialmente. Os eleitos da mídia, por ela apresentados como “vencedores”, supostamente possuem, entre outros bens, uma vida sexual que nos serviria de exemplo. É preciso que seja “vendida” publicamente para ser imitada pelos que ainda não chegaram lá. E se observarmos com atenção, tudo que é dito sobre sexo concerne a pessoas ricas, jovens, bonitas, famosas, “inteligentes”, etc. No fundo, o sexo não vende um produto qualquer e sim determinados modelos de indivíduos, aqueles que mais se adaptam e ajudam a manter o modo de vida das sociedades ocidentais contemporâneas.

E como tudo isso veio a ter lugar entre nós?  Tudo tem sua história: antes, o sexo reprimido também tinha seu papel,  que era mostrar as virtudes de uma vida de trabalho e de tradição familiar. Hoje, ninguém quer saber de virtudes e o sexo é manipulado para exaltar a “liberdade do prazer”. Programas de televisão e sites de internet oferecem a oportunidade de espiar permanentemente a intimidade de pessoas, famosas ou não. Se já não confiamos mais nas opiniões morais das pessoas mais velhas, dos pais, dos professores, dos religiosos, dos grandes líderes políticos de antes, dos intelectuais, dos pensadores, etc., em que fontes buscaremos a aprovação de nossas condutas? Muitos dentre nós escolheram passar a observar diretamente a intimidade alheia, procurando algo que lhes diga como são ou como devem ser.

Com tantas transformações em curso, um único aspecto talvez seja positivo na banalização da sexualidade: o fato de que, até pouco tempo atrás, havia a crença de que aquilo que se faz, do ponto de vista sexual, define o que se é, do ponto de vista moral. Isso parece estar mudando, à medida que o sexo vai se tornando algo tão trivial quanto qualquer outra manifestação do comportamento humano. As pessoas, no fim das contas, acabam descobrindo que todo mundo é muito parecido no modo de pensar, agir, sentir, desejar, querer, ter prazer, etc. Quem sabe assim os preconceitos contra minorias sexuais tendam a diminuir? Isto seria digno de comemoração: preconceitos são, sem dúvida, o que de pior podemos produzir.

simone_sotto_mayor

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