Ela passou os últimos anos de sua vida revoltada com seu processo de envelhecimento, a degeneração de seu corpo e mente.
Ficou amarga, se sentia humilhada por ter adoecido, não atendia ao telefone e nem queria receber nenhuma visita que não fosse dos filhos e netos.
Eu não a compreendia e a censurava, achava que se ela recebesse o carinho das pessoas que queriam vê-la seria mais fácil e mais leve, menos triste seu final.
Não entendia de onde ela tirara a suspeita de que todos os que queriam vê-la iriam se comprazer com a visão de sua finitude, triunfariam sobre ela, na linha de “eu estou bem e você, aí”…
Alguns anos antes, tanto ela como meu pai adotaram um comportamento que eu não imaginara. Se algum parente ou amigo vinha a morrer, mesmo aqueles amigos de toda uma vida, nunca mais meus pais falavam sobre aquela pessoa. Não iam aos enterros, missas e não faziam comentários. Era como se nunca tivessem existido, os que se iam.
Eu não havia percebido, mas era a morte que tentavam fazer com que não viesse a existir. Os que se iam passavam a representar, por si, a própria morte. Mantê-los distantes era a garantia de que eles estavam em outro mundo, o dos vivos. Mas como deviam sofrer em seu silêncio, que angústia, estar numa espécie de “corredor da morte”.
Sempre achei que, se alguém não tivesse um diagnóstico fatal, teria um final tranquilo. Não é verdade. Lá em casa, o diagnóstico fatal foi o próprio passar do tempo. Cada aniversário um sofrimento. Cada Natal, mais perto do fim. Tudo em função do Fim. A partir de certa altura, o olhar de meus pais se modificou . Passou a ser um olhar de medo, pavor. Olhos arregalados, sempre.
Quando assisti ao filme Amor, entendi perfeitamente o pudor , a humilhação e a vontade da personagem de se antecipar à própria morte, excluindo-se da visão de todos. Pena não ter me ocorrido a mesma compreensão quando isto se passou em minha própria família. Ali deixei meu senso crítico prevalecer sobre a compaixão, e lamento.
O Filme “Amor” foi lançado em 2013. A História retrata Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) um casal de aposentados, que costumava dar aulas de música. Após Anne sofrer um derrame, o casal de idosos passa por graves obstáculos, que colocarão o seu amor em teste. Dirigido por Michael Haneke.