Amor na maturidade

A Dois
19.ago.2014

“Envelhecer bem”, ou seja, adaptar-se àquela que será a derradeira fase na vida é um desafio,  para ambos os gêneros. Entretanto, em nossa sociedade contemporânea, as diferenças se fazem bem marcantes, quer se trate de homens ou de mulheres atravessando tal período.

Algumas coisas que poderão facilitar a aceitação do processo para um grupo não serão necessariamente as mesmas para o outro. Para homens que, por exemplo,  colocaram a maior expectativa de realização de suas vidas no êxito profissional e sexual, envelhecer pode se revelar um caminho tristonho e sem graça. Poucos interesses no presente e a atenção fixada no passado de glórias, com certeza hão de tornar mais difícil o delicado processo de criar uma existência prazerosa nas últimas décadas de vida.

Às vezes é preciso fugir um pouco e afastar a ideia de envelhecer: buscar refúgio numa relação com uma mulher bem mais jovem é uma tendência razoavelmente comum no grupo masculino. Recomeçar uma vida a dois nesse contexto,  eventualmente até formar nova prole, parece ser, há muito, um expediente muito utilizado entre as populações masculinas. A auxiliá-los está a realidade de que homens continuam sedutores, com seus cabelos brancos e rugas. Experiência de vida e posição social contam e ajudam bastante, também.

O mecanismo de negar a própria finitude unindo-se a alguém bem mais jovem encontra-se perfeitamente legitimado socialmente, mas apenas quando se trata de homens maduros com jovens mulheres. O contrário, além de ser evento bem mais raro, costuma despertar, no mínimo, curiosidade. Reações de surpresa e até de certo preconceito estarão com frequência presentes.

Em se tratando de relacionamentos na maturidade, as mulheres continuam a ser muito avaliadas pela aparência, em nosso país. A partir deste critério, estarão quase excluídas da possibilidade de encontrar um companheiro da sua idade, já que, para continuar no “mercado” das relações afetivas/sexuais, espera-se que ela aparente alguns bons anos a menos que sua idade real. Mesmo entre as que conseguem atender a tal “quesito”, algumas ouvirão, ao revelarem a idade num relacionamento recente: “mas não é possível que você tenha tal idade!”.

A frase pode ser um prenúncio do afastamento do ser masculino da relação. Na prática, o que não é possível mesmo, é aquele homem admitir para si e para seu círculo social e familiar, que passará a se relacionar com uma mulher “tão madura”, ou seja, da sua faixa etária. Em seu imaginário, ele não se vê envelhecendo, e, menos ainda, não tem nenhuma intenção de fazer planos para “envelhecer a dois”. Quer continuar a viver buscando driblar a ideia do fim, enquanto for possível.

A perda do poder de sedução é, sem dúvida, uma experiência ruim, seja para homens ou para mulheres. Mas, como uma espécie de compensação natural, as mulheres  vem se dando conta de algo que só diz respeito a elas. A noção de que este período em suas vidas é inédito, pois é quando, finalmente, podem olhar para si e cuidar de seu próprio bem estar. Marido e filhos já não lhes exigem tanto e a própria pressão social sobre elas diminui ou deixa de existir. Papéis sociais cumpridos, elas experimentam, com alegria, uma enorme sensação de liberdade. Descobrem o prazer de estar com as amigas, de conversar, rir, de se divertir.  Desenvolvem antigos interesses e vão em busca de novos, passam a querer fazer só o que gostam.

A antropóloga Miriam Goldemberg, em seu livro “A bela velhice” chama a atenção para as diferenças nas expectativas acerca do envelhecimento reveladas por homens e mulheres em pesquisa que fez. Nos depoimentos masculinos, surge a necessidade e o desejo de continuarem a viver intensamente cada dia, sentindo-se ativos, úteis e bem-humorados. Nos depoimentos femininos fica evidente uma ruptura significativa na linha de vida. As mulheres afirmam, de forma quase unânime, que nunca se sentiram tão livres para “serem elas mesmas”. E fazerem só e simplesmente aquilo que lhes dá prazer.

O que ainda não se sabe é se a felicidade obtida pelos dois grupos se assemelha. Mas isto, certamente, nem importa. Pois o que vale é saber que, na maturidade/velhice da atualidade, não há receita para o bem viver. Há liberdade para cada um de nós buscar sua própria e pessoal alternativa de existir.

E, não podemos negar, as diferenças são o tempero da vida.

 

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