Amorosa discrição

A Dois
02.set.2014

Nos tempos atuais, quando tornar-se “popular” é o grande objetivo e buscar capturar a atenção dos outros incessantemente virou um comportamento generalizado, qual deveria ser a definição de uma “pessoa discreta” ?

Mundo afora devem existir várias boas respostas , mas o jovem filósofo francês Pierre Zaoui tem uma bem interessante: “ser discreto, na atualidade, é ser capaz de, momentaneamente, cessar de se mostrar, de se deixar ver ou ouvir, para dar lugar ao outro”.   

Ele defende a ideia de que tal atitude de maior contenção seria ainda uma proteção contra a sensação de esvaziamento que, ele afirma, acompanha as pessoas que tem o hábito de se expor o tempo todo. Seja nas redes sociais e mesmo nos encontros presenciais,  as pessoas em geral estariam falando demais, contando e recontando a quantos quiserem ouvir,  infinitas histórias de suas existências. E isso facilitaria uma sensação de “esvaziamento”.

Afirma que, em tempos de tanta exposição, abandonar uma postura de auto-exibição e abrir espaço ao outro é uma atitude cada vez mais difícil de se encontrar. Em princípio, já seria um ato de humildade, e poderia vir a ser, até mesmo, uma forma amorosa de comunicação. E como se daria isto?

É que quando adotamos uma postura de maior recolhimento em nossos encontros com os outros, nos damos a oportunidade de sair de nós. Com isso, interrompemos uma espécie de “monólogo interior” que possuímos e que nos faz, muitas vezes,  produzir um fluxo ininterrupto de palavras que exclui completamente nosso suposto interlocutor. Deu para entender? É como se, às vezes, só parecesse que conversamos com os outros, mas estamos é falando com nós mesmos.

Seria interessante passarmos a ter em mente que não é por nos calarmos que a comunicação deixará de se dar.  Num silêncio com amorosidade, a comunicação pode ser extremamente intensa.  Por se tratar de um silêncio  que espera e ouve a palavra do outro, é um silêncio que faz vínculos e traz muitas alegrias. E como se daria isto?

Ora, os que amamos e nos são caros e nós os amamos  por eles serem eles mesmos. Nosso momentâneo recolhimento nos proporcionará a alegria de observar, olhar, entrar suavemente no mundo deles, perceber como pensam e sentem. Não é uma alegria acessar o que nos comove nos  que amamos?

De repente, nos tornamos até mais sensíveis e receptivos, e passamos a enxergar o outro com seu olhar peculiar, seus gestos, todos os pequenos detalhes que habitualmente nos escapam. E não podemos nos esquecer que, quando amamos, é a amorosidade que sentimos que “refina” ainda mais a nossa sensibilidade.

Passa a ser, então, uma alegria poder ceder todo o espaço ao outro, por algum tempo, e o deixar simplesmente “ser”.  Estar ali de verdade, desfrutando aquele momento, aproveitando a sua presença, em vez de compulsivamente lhe apresentar um relatório de nós mesmos, pode ser uma bela experiência amorosa, que vale a pena exercitar.

 

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