Os tempos mudaram e a violência é hoje, sem dúvida, mais palpável, intensa e precoce do que aquela que convivemos em nossa infância. Mas também é preciso reconhecer que hoje vivemos dentro do contexto que vem sendo chamado de “hiper-parentalidade”. Ele consagra o reino da criança-rei e certos pais embarcam, rapidamente numa briga, às vezes por nada ou muito pouco. Hoje, se os pais acreditam que estão percebendo antecipadamente um indício de sofrimento que poderá vir a atingir a criança, já passam a pressionar a escola a reagir. Mas será que se trata mesmo de assédio, sempre que os pais querem intervir?
O assédio, seja verbal ou escrito, físico, psicológico ou moral, necessita de esclarecimentos. Sem duvida, é uma triste realidade, bastante comentada na mídia, sendo, portanto, do conhecimento da maioria. Ultimamente, de tão divulgado, tendeu a se banalizar: é preciso não perder de vista a noção de que nem todo confronto entre crianças será, fatalmente, assédio.
Para melhor agir a respeito, vamos deixar claro que o assédio moral existe e traz consequências gravíssimas, mas é essencial compreender o que o caracteriza. Ele corresponde a um comportamento muito estritamente definido – em alguns países já existe legislação a respeito, por exemplo – mas que, atualmente, virou uma espécie de rótulo, dado a variadas situações de tensão ou conflito que não podem ser caracterizados como assédio.
Dos sarcasmos às intimidações, das violências verbais aos ataques físicos, o assédio se caracteriza pela repetição das situações. A humilhação crônica termina por prejudicar gravemente o psiquismo da criança assediada. E mais: no assédio moral entre crianças não se trata apenas de um assediador e de uma vitima, pois há também aqui um ou mais espectadores que vão assistir à cena e estabelecer assim sua participação. O assediador, sentindo-se glorificado, intensifica suas estratégias de predador sob os olhos de seus pares, que por sua vez temem as represálias, caso decidam defender a vítima. Além do mais, ficar do lado do assediador traz, como benefício secundário, o temor do resto do grupo.
É claro que compete aos adultos educar as crianças, humanizá-los, para que passem de crianças, (“perversos polimorfos”, como disse Freud), a adultos. Para tal tarefa, um alinhamento dos pais com a lei é básico, para que ela se torne mais forte internamente nos filhos do que os impulsos perversos, manifestos na violência das palavras e dos atos. Só que tem um detalhe: este processo exige dos adultos que eles sejam maduros. E, em nossa atual sociedade de confusão de limites e de idades, adultos e pais muitas vezes preferem continuar a se ver sempre como “jovens e modernos”, “descolados”… Além disso a dominação passou a ser vista como um valor não só socialmente aceitável como até desejável: “Bate mesmo, meu filho/a! Se você não bater, vai apanhar!!”
Estando o conceito de assédio esclarecido, a boa notícia é que alguns países já começam a agir de forma inovadora contra ele. Em vez de medidas meramente punitivas, escolas vem apostando num trabalho de reuniões de grupo regulares, coordenadas por um adulto, durante o recreio, momento em que a maioria dos confrontos se dá. O método tem se revelado eficaz em transformar assediadores em líderes positivos, direcionando sua pro atividade para atitudes construtivas.
Para o assediador, a saída é honrosa: como este tipo de criança é socialmente proativa, ele continua a exercer sua liderança sobre o grupo. Só que em bases de civilidade e respeito ao outro. Promissoras notícias, não é??