Coisas que sentimos

Comportamento
23.out.2018

É muito curioso nos determos no exame mais acurado de algumas particularidades da nossa vida mental. Ou seja, como funcionamos, como estamos psiquicamente estruturados? Cada um de nós tem uma forma própria de ser e de interagir com o mundo. Ao longo da vida, todos passamos por momentos em que tudo fica meio desconfortável, com uma sensação não muito clara de angústia. Por mais que tentemos, não conseguimos discernir exatamente o porquê do desconforto. Pois é quando estão em ação alguns dos “mecanismos de defesa” mais comuns e frequentes, dos quais ninguém está livre, mesmo depois de fazer muita terapia. Como, por exemplo, os que Freud um dia chamou de negação e onipotência.  Isso existe mesmo? É possível visualizar isto em nós mesmos, na prática? A resposta é “sim” e, para exemplificar, pergunto: quem nunca passou por uma das situações abaixo?

A permanente capacidade de, em nosso íntimo, negar a existência do que nos incomoda, recebeu de Freud o nome de negação. Seja, por exemplo, gostar ou desgostar de algo ou alguém, seja a presença de frustração, decepção, raiva…  Nada disso existe, está tudo em ordem, sempre, quando a negação está atuando. Para alguns, tal ocorrência será mais frequente, especialmente, quando for preciso perceber o que não vai bem no campo das relações pessoais ou da vida emocional. Contratempos nestas áreas farão a pessoa em negação lidar de maneira um radical: se o que causa o desconforto puder ser extirpado, pronto. Assim será, uma espécie de cortar aquilo que se julga ser o mal, pela raiz. O contratempo no excesso do uso desta defesa é que precisamos saber o que sentimos para que os sentimentos sejam elaborados ou “digeridos”. O acúmulo de sentimentos que não atingem nossa consciência pode apresentar no corpo físico o que não encontrou uma forma de expressão emocional. Quem nunca associou uma queda no estado geral a um evento desgastante emocionalmente?

E a onipotência? Bem, na prática, seria aquele famoso “deixa comigo”, ou seja, pode deixar que eu dou conta, não preciso da ajuda de ninguém. Aqui, representantes do gênero masculino pontuam mais e com maior frequência: estudiosos das diferenças entre os gêneros observam que, em geral, homens não gostam de pedir ajuda. Quem convive com eles também… Até pouco tempo atrás, nem informações de direções, quando estavam ao volante, perdidos, pediam. Estavam sempre dizendo aos que os cercam (sua família, especialmente) que sua próxima iniciativa levaria ao endereço certo. Felizmente, mais recentemente fomos todos salvos pela banalização do uso dos GPS. Fora da direção, também costumam preferir o método interminável da tentativa e erro, tentando até conseguir. Ou não. A onipotência masculina também costuma aparecer em questões corriqueiras, do dia a dia. Coisas assim como, quando consultar um médico? De preferência, quando for inevitável, claro! Se pensarmos em medicina preventiva, nossos amados caras metades nos dirão sempre que estão ótimos, não precisam disso… Quando enfim decidirem consultar um profissional, irão buscar e eleger algum que lhes diga exatamente o que querem ouvir. Em geral, que sim, estão ótimos! “Você está ótimo, campeão!!”… Homens lidam bem com a vaidade uns dos outros.

Apesar dos exemplos, é claro que as mulheres também fazem o gênero “deixa comigo” que abordamos aqui hoje. Mas coisas vêm mudando e para melhor. Houve um recuo destas características masculinas nas últimas décadas, assim como tem ocorrido um avanço do espaço conquistado pelas mulheres. Sem confronto direto, e cada uma ao seu jeito, elas não tem acreditado tanto nos seus super parceiros de vida. Ótimo para eles, que assim podem mais facilmente abrir mão de antigos modos de funcionar e agir. O mundo patriarcal pode ter lhes trazido muitas vantagens, mas também foi extremamente exigente com os homens, que tinham de saber tudo, não podiam errar nunca e só estavam autorizados a se emocionar com muito pouca coisa.

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