A convivência com o inconsciente

Comportamento
18.out.2016

Freud o tornou célebre, mas não foi o primeiro a intuí-lo. Filósofos da antiguidade já tinham noção da porção de obscuridade que nos impede de ser plenamente conscientes de nossos atos e de nossos sentimentos. Hoje, especialmente em alguns países do Ocidente, a ideia de que possuímos um inconsciente está de tal forma arraigada que suas manifestações são vistas por toda parte, às vezes  de maneira exagerada.

Em grupos ou sociedades altamente psicologizadas, é comum encontrarmos uma certa “patrulha do inconsciente” que age como um instrumento de controle. Como funciona? É só alguém esquecer, por exemplo, um compromisso, para que alguns à sua volta já lhe lancem um olhar cheio de suspeição: “mas isto não aconteceu por acaso…” Ou então que a língua tropece, e se pronuncie outra palavra que não a que se pretendia, para que sejam identificados os temíveis “atos falhos”, que seriam sempre “lapsos reveladores”, como disse Freud no século XlX.  Só que, hoje sabemos, nossa língua também se equivoca, com alguma frequência, em função de proximidades sonoras entre duas palavras, sobretudo se estamos cansados. Dá-se então uma contaminação fonética, que não tem necessariamente relação com uma verdade misteriosa escondida.

Décadas atrás, uma jovem psicanalista brigava com a sogra sempre que ela trocava seu nome com o de uma antiga empregada, com quem convivia diariamente. Infelizmente para a jovem, seu nome era mesmo foneticamente muito semelhante ao da empregada. O detalhe risível é que a jovem em questão, no caso eu mesma, no auge de sua revolta, acreditava que o esperado seria que a sogra, caso trocasse seu nome, o fizesse com os das filhas ou outras noras.  Ao relembrar tal episódio, me divirto com a inflexibilidade da “interpretação” e me surpreendo com o quanto podemos nos tornar radicais em nossas crenças. Só o tempo nos revelará nossos exageros.

O processo de decifração do inconsciente pela psicanálise ou outro método que se apresente não é, como alguns tem dito ultimamente, um exercício narcisista de autossatisfação. Longe de ser um trabalho puramente intelectual, a leitura do inconsciente é um excelente caminho para descobrir a raiz de nossas angústias e elaborar nossos pavores.

O inconsciente, porém, nos desperta muito medo. Nosso medo do inconsciente se deve ao fato de ele abrigar algumas realidades que não suportamos enxergar de forma consciente, porque são passíveis de nos trazerem demasiado sofrimento emocional.

O inconsciente, entretanto, não é o inimigo terrível que reagimos a conhecer. Ao contrário, ele age a nosso favor, se pensarmos que todos os sintomas de que estamos em desequilíbrio são pedidos de socorro que ele envia por nós ao mundo exterior. Também não é demais reafirmar o que tantos tem estudado: alguém que passe a conhecer ao menos alguns dos conteúdos de seu inconsciente, chegará a um melhor acordo com a sua verdadeira e própria natureza, tendo mais chances de viver em harmonia consigo mesmo.

 

simone_sotto_mayor

 

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