De filhos e enteados

Filhos
24.jan.2017

Como é que pode? As pessoas casam e se separam, casam-se de novo para de novo se separar e às vezes repetem o mesmo processo duas, até três vezes. Como conseguem lidar tantas vezes com os problemas que surgem à sua volta?

Após algum tempo separadas, as mulheres, em geral, sonham em reconstituir família e muitas vezes o fazem. Aí vão descobrir que aquele sonho tão acalentado de ver os próprios filhos brincando com os do parceiro, sendo cúmplices e amigos, vai ser um tanto difícil de acontecer. Primeiro, porque se a disputa pelo amor dos pais já existe nas famílias originais, imagine o quanto poderá ser pior quando a criança perde a convivência com um deles. Além disso, na sua cabecinha, agora é outra criança que desfruta dessa companhia, mesmo que a realidade possa não ser bem assim. A criança não vai discernir realidade de fantasia, e esta última é que vai prevalecer. Nessa fase de filhos ainda pequenos é mais provável que filhos e enteados briguem bastante entre si, tentando demarcar seus territórios afetivos. Melhor criar caso com alguém de sua idade do que entrar em confronto com seu verdadeiro rival, aquele ou aquela que lhe “roubou” o pai ou a mãe.

Mas, e quando o novo casamento se dá entre pessoas com filhos adolescentes? Será que melhoram as chances de se conseguir uma nova e linda família?? Infelizmente, não. Adolescentes podem ser flexíveis e bem educados quando querem, mas em geral são rebeldes pela própria fase de vida. A nova união se torna uma boa desculpa para protestos os mais diversos, tornando o período ainda mais turbulento que o habitual. O casal vai precisar se preparar, entre outras coisas, para uma atitude de distanciamento proposital dos filhos. Muita habilidade será necessária para fazer com que o adolescente rebelado se interesse positivamente pela nova formação familiar e ainda queira agregar algum valor a ela. Algo assim como matar um leão por dia, e durante muito tempo.

E quando os filhos já são adultos? Bom, aí diminui a chance de se ter uma nova família, ficando um casal e seus filhos de casamentos anteriores. Com um pouco de sorte, consegue-se formar um grupo que convive cordialmente quando se encontra. Os conflitos mais frequentes costumam se dar em torno dos patrimônios, de forma mais ou menos velada. É comum, nesses casos, adultos serem tratados como “quase mortos” ou “sem noção”. São os jovens que sabem o que é melhor para eles e, veja só, para seus pais também. Laços afetivos além dos do casal são mais difíceis de ocorrer neste grupo, infelizmente. A convivência pode ser um campo minado, com alguns dos filhos até deixando de viver sua própria vida, pois o que importa é controlar o novo casal.

Tudo isso é tão trabalhoso e tão inevitável que volto à pergunta que nos fiz no início do texto: como é que as pessoas tem energia para fazer isso mais de uma vez? E então, não tem um jeito de melhorar as coisas? Afinal, são tantas famílias a passarem por isso, será que não dá para tentar melhorar essas perspectivas?

Sim, há um jeito: conversar com os interessados sobre o tema. “Ai, não dou conta,” dirão uns, imaginando que o confronto com os crescidos pimpolhos seja algo além de suas forças. Não deve ser, mas é bom saber que força de vontade e persistência são pré requisitos essenciais desde o início. E que é preciso os dois estarem de acordo, sem medo de serem manipulados, através da culpa, por seus rebentos. Aí, restará abordar o óbvio: que a vida mudou, que todos são responsáveis pelo conjunto que irá resultar daquela experiência de convivência, e que somente com clareza e honestidade as pessoas vão conseguir criar vínculos de confiança. E que tudo levará um bom tempo, mas os grandes inimigos do sucesso da nova empreitada são a vontade de permanecer na desconfiança e no apego ao passado. Para muitos, é bem difícil aceitar que o passado se foi, e que hoje é o início de algo novo.

O depoimento verdadeiro dos sentimentos de cada um é o único caminho para a harmonia.

simone_sotto_mayor

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