De volta à vida

Comportamento
10.jan.2017

 

Alguém entende o que seja luto, sem nunca te-lo exatamente experimentado? Não é apenas o período que obrigatoriamente se segue à perda de alguém e que é anunciado como tal que o configura. É muito mais complexo.

Para começar, luto é coisa difícil de saber que está com a gente. Não se deixa identificar prontamente, mas quando vem, toma conta de você. Não é tristeza, é diferente. É desesperança, desgosto, descrença no valor da vida. É ter o tempo todo uma certeza só: de que não vale a pena viver, nada vale a pena, é tudo ilusório, a única realidade é a morte. Ter esses pensamentos sempre em mente, ao final do mais banal raciocínio. Você não percebe que o seu cérebro passou a trabalhar de forma diferente.

A tristeza existe, sim. Toda vez que você se lembra da pessoa e tem a noção exata de que nunca mais vai vê-la. É muito ruim, não há nada que  console nem substitua o sentimento de solidão.

O luto é também quando você descobre que não chorou outras mortes, que talvez já fossem esperadas, que você até que se saiu bem e não se abalou tanto, conseguiu tocar sua vida. Aí, aproveitando a porta aberta pela primeira vez pela perda mais recente, fantasmas se esgueiram pela fresta. E você, mais uma vez sem perceber, passa a pensar de novo naquelas pessoas que se foram. Em como viveram, sofreram, acertaram e erraram. Passa uma certa parte de seu tempo convivendo com todos aqueles mortos, lembrando-se deles como se mais próximos eles estivessem agora. E agora você os vê de outra forma, são humanos como você, não são seus parentes, nem seus pais ou irmãos, são pessoas amadas que não lhe devem nada. São exatamente como você: humanos, apenas isso.

A compaixão surge com o tempo, as lembranças te enternecem, a precariedade e a vulnerabilidade daqueles que um dia foram vistos por você como tão fortes te comove.

O que acontece um belo dia? Você começa a rir de novo. Sobretudo, começa a voltar a sentir alegria com as pequenas coisas. Os pequenos planejamentos que dão certo. O dia que era para ser nublado mas aparece esplendoroso nessa época do ano. A alegria do tempo despendido com pessoas queridas. O riso fácil, de novo. Ah, que bom…

E aí vem a revelação final de que seu sofrer acabou. Nesse caso específico, chega seu aniversario e você não pensa com tristeza no tempo que passou. Pensa com orgulho, isso sim, em tudo o que viveu. E se regozija consigo mesma, em silencio, por estar ali naquele dia, cheia de disposição para criar, para ver o lado bom das coisas, para amar. Que maravilha é viver a vida enquanto estamos por aqui, vivos e disponíveis, ou seja, saudáveis…

simone_sotto_mayor

 

 

 

Artigos relacionados

29 maio

Nós e os emojis

Quando o Facebook acrescentou ao seu “curti” mais cinco pictogramas emocionais, significando o amor, a alegria, a surpresa, a tristeza e a raiva, a gama de nossos sentimentos passou a se mostrar representada pelas carinhas cheias de afetos, que hoje já são habituais em nossos textos. Costumamos chamá-los de emojis, uma palavra vinda do Japão, […]

  • 2092
Comportamento
19 jun

A certa altura da vida

A certa altura da vida, já nos deparamos com a finitude (ou, falando de forma mais simples, com o fenômeno da passagem do tempo e a morte) algumas vezes. Dentro de nós já há o registro do valor do tempo, aprendemos o quão rapidamente ele passa. Com um pouco de atenção, passamos a perceber a […]

  • 2225
Comportamento
19 jun

Isso é coisa da sua cabeça… Gaslighting.

“Isso é coisa da sua cabeça!!”, “Você está imaginando isso!!”, “Você é louca!!”… Quem dentre nós, mulheres, já ouviu essas afirmações em momentos em que só estavam falando de coisas que estavam de fato acontecendo? Atualmente existe um nome pra esse tipo de abuso: Gaslighting, devidamente registrado no dicionário Cambridge da língua inglesa. Alguém já […]

  • 721
Comportamento