Deixar chorar os bebês?

Filhos
23.jun.2015

Todo mundo sabe que, para as mães, um tormento real nos primeiros meses de vida dos bebês é que eles choram e choram, apesar de tudo que se faz para adivinhar o que eles sentem. Nessas horas de choro insistente e persistente, tudo é tentado: amamentá-lo, trocar-lhe as fraldas, embalá-lo, sussurrar palavras carinhosas ou emitir os sons mais estranhos: a criatividade dos pais, aflitos, não conhece limites. Em vão. E o pior é que, quando o bebê grita e chora, a mãe sente seu mundo desmoronar.

A cena se repete incontáveis vezes,  até que mães e pais passem a perceber que bebês recém nascidos choram quando tem fome, sede, desconfortos físicos que nem imaginamos quais sejam, calor, frio, se entediam, se irritam, estão cansados, precisam  ser reconfortados ou se movimentar… Ufa!! No total, são várias horas de prontidão por dia, para tentar decodificar tantas “reclamações”.

Assim, depois de ter incriminado os refluxos e as “cólicas”, tentado as massagens,  os passeios em carrinhos de bebê, as voltas de automóvel, o barulhinho do ar condicionado, o som de músicas clássicas, além de toda sorte de canções de ninar e mesmo de mantras cheios de sons graves, não aparece nenhuma fórmula mágica, que seja perfeita para eliminar a choradeira. O que fazer, então??

No desespero, alguns pais começam a cogitar a hipótese de deixar a criança chorar, inclusive. Não faltam parentes ou até mesmo profissionais para proclamar, logo nas primeiras semanas após o nascimento: “Não se deve ceder e pegar a criança no colo, senão ela logo vai dominar a tudo e a todos!!”. Assim, mais ou menos veladamente, os pais vão sendo incitados a deixar o bebê chorar. E é aqui que os estudiosos do assunto se indignam e nos alertam: todos nós, adultos ou bebês, temos a mesma necessidade de ser reconfortados, em nossos momentos de angústia.

Os choros dos bebês são muito difíceis de suportar, sobretudo por pais esgotados, exaustos por noites sem dormir, às vezes um tanto perturbados pelo impacto que o nascimento de um filho traz por si, às vezes apenas mal aconselhados. Em geral, é preciso que se passem ao menos dois meses, para que o bebê module melhor seus gritos e para que os pais  aprendam a distingui-los. “Um bebê nunca chora por nada”, lembra Catherine Gueguen, uma pediatra francesa que vem se dedicando ao tema. Ele chora  por razões  fisiológicas, nos diz ela: “a parte de seu cérebro que detecta os perigos  já está perfeitamente madura, enquanto que a que o controla e regula, só vai estar totalmente formado alguns anos depois.” A consequência é que as emoções dos bebês são intensas e aterrorizantes, quando eles se veem “em apuros” e não conseguem se resolver sozinhos. E o que são tais apuros? Nada grave, para nós, adultos independentes e autônomos. Mas para o bebê, se está com fome, está em apuros. Está molhado, com qualquer desconforto físico? Apuros novamente, desespero total, choro no máximo! Por não ter condições de resolver nada do que lhe passa, sua ansiedade é aguda, e seu medo, palpável.

“O bebê vive suas exigências instintivas como ameaças contra sua existência”, escreveu há muito tempo Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, que atribuiu ao “holding” (a maneira de segurá-lo no colo ) e ao “handling” (a forma de manipulá-lo durante as trocas, de lhe tocar e acariciar, de sussurrar e emitir sons carinhosos) dos pais um valor primordial, no processo que os bebês precisam enfrentar para se sentirem mais seguros e menos angustiados.

É verdade que, se deixa de ser atendido quando chora, um bebê compreenderá que não vale a pena mais chamar ou chorar. Mas, se partirmos do fato que nenhum bebê pode deixar de exprimir suas dificuldades, não podemos imaginar um início de vida sem choros. Uma criança que chora muito provavelmente está saudável, já que chorar faz parte de seu desenvolvimento.

No decorrer de seus primeiros meses de vida, o bebê vai adquirindo a certeza de que não será abandonado às suas aflições. Começa a desenvolver uma segurança interior, que lhe permite esperar um pouco mais, cada vez. Torna-se menos inquieto, pois sabe que o pai ou a mãe vão atendê-lo, que virão em seu socorro. Passa a compreender quando ouve algo como um “Já vou!” do outro lado do apartamento, e isso lhe basta. Ele já constata que não está sozinho, e começa a aprender a confiar. Os pais, por sua vez, já se precipitam menos para atendê-lo, e podem começar a lhe falar, acariciar, antes de tomá-lo nos braços.

E assim, um belo dia, alguns meses depois daquela primeira “manha”, uma mãe pode acordar e constatar um silêncio completo à sua volta. Nenhum ruído, nada. Em seu berço, o bebê brinca tranquilamente. E, em vez de chorar, sorri, que alívio!!

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