É preciso coragem para entrar em confronto

Comportamento
02.maio.2017

Todos nós deveríamos saber que a experiência do confronto é a única forma de restaurar relações interpessoais abaladas: passar a limpo os pontos de conflito, de tempos em tempos, é necessário para a sobrevivência de qualquer relação verdadeira. Apesar disso, o que se vê é que cada vez se torna mais rara uma conversa civilizada, quando os interlocutores tem opiniões diferentes. Ou a discussão vira uma sessão de xingamentos mútuos ou simplesmente as pessoas se recusam a conversar e a defender seus pontos de vista.

Conflitos, hoje em dia, são algo corriqueiro na vida relacional. Quer sejam relações de casal, de pais e filhos, de vizinhos, etc., sabe-se que não se chega a um entendimento se regras comuns não são observadas. Diferentes códigos de civilidade vão reger cada uma dessas relações. Com isso, basta que uma das partes discorde de uma norma para que exista um confronto. Como não aprendemos a entrar em conflito, o confronto de ideias pode trazer a violência às discussões. Entrar em conflito é uma necessidade recente na história de conviver em sociedade e estamos condicionados a associar conflito com violência. Em geral, não queremos entrar em conflito por medo de que ele saia de nosso controle e nos tornemos violentos.

E então, como lidar com o conflito?  Primeiro, é preciso aprender a nos opor à opinião de alguém sem sermos violentos. A violência surge quando enxergamos aquele que se opõe a nós como alguém inteiramente “errado” ou “inferior” a nós. Ou seja, quando consciente ou inconscientemente, não o consideramos como nosso igual, em valor ou em direitos. A hostilidade se manifestará em nossas atitudes: passaremos a agredi-lo, humilhá-lo ou rejeitá-lo, tratando-o com indiferença ou nos recusando a conversar. Identificar a violência por vezes é difícil, pois ela pode ser sutil ou até se exprimir com doçura, não é mesmo?  Podemos fazer tudo o que acabamos de dizer aqui sem elevar a voz, sem que isto seja sinal de que consideramos o outro nosso igual.

Quando conseguimos entender a diferença entre a violência e o conflito, passamos a ter a chance de reconhecer nossas próprias atitudes “sutilmente violentas”. E também, é claro, vamos identificar com mais clareza se o outro está sendo agressivo ou não conosco. Caso esteja, podemos nos recusar a entrar numa discussão destruidora ou a sustentá-la. Caso contrário, será o momento de aceitar o conflito, o que passa a significar que aceitamos estar em desacordo.

É interessante notar que é equivocada a ideia de que para se viver junto e bem é necessário erradicar o conflito. Na verdade, basta saber transformar a violência em conflito. Esta compreensão vai nos ajudar em inúmeras situações da vida cotidiana: para que qualquer conflito evolua de maneira favorável, é preciso criar um clima de confiança dentro do qual os opositores sintam que poderão dizer o que pensam sem medo de serem agredidos. Este clima resultará de nossa postura; ela deve exprimir nosso desejo de manter a relação e nossa intenção de não virar as costas ao outro, de não desvalorizá-lo nem agredi-lo em plena discussão. Tudo se resume na atitude que adotamos, que precisa deixar o outro saber que o respeitamos, a despeito de estarmos em desacordo. Sem isso, a confiança não se instala e a violência prevalece, já que continuamos a ver no outro um incapaz, um imbecil e… vice- versa, obviamente.

Esta sequência de atitudes necessárias para se engajar com o outro de forma construtiva numa discussão deveria ser algo  simples, mas não é. Estar em desacordo quando se ama a pessoa e se tem o desejo verdadeiro de encontrar uma solução costuma ser bem mais fácil. Difícil é quando a violência já está instalada, quando a crise já dura e o silêncio já separa. Nesse caso, tudo mudou e trata-se de restaurar o diálogo com quem agora enxergamos como inimigo, dentro de uma situação desesperadora para ambos. Esforçar-se por abrir mão de estar em primeiro lugar no confronto nos ajuda a deixar de fugir do outro para ir ao seu encontro. E aí descobrir em si a coragem para engajar-se, comprometer-se com a discussão. Aceitar que estejamos lá naquele momento, com nossa raiva, nosso desespero e confusão, nossa impotência e desamparo.

simone_sotto_mayor

 

 

Artigos relacionados

19 jun

A certa altura da vida

A certa altura da vida, já nos deparamos com a finitude (ou, falando de forma mais simples, com o fenômeno da passagem do tempo e a morte) algumas vezes. Dentro de nós já há o registro do valor do tempo, aprendemos o quão rapidamente ele passa. Com um pouco de atenção, passamos a perceber a […]

  • 2224
Comportamento
22 mar

A coragem de vencer os próprios medos

Já reparou que quando pensamos se gostaríamos de renunciar ao que temos num dado momento, para nos engajar num novo caminho, entramos de imediato em contato com o medo? O tão propalado medo da mudança, do desconhecido, se instala sem ser convidado e causa logo um certo desconforto. Isso é normal? Claro que sim, diríamos. […]

  • 2157
Comportamento
15 nov

O medo do ridículo: de onde vem?

O medo do ridículo é universal, só que uns o sentem mais do que outros. Quando jovens, em geral todos temos mais dificuldades nessa área, porque tendemos a ter uma identidade mais grupal do que individual. Pensamos da mesma forma que nosso grupo pensa e o medo da rejeição nos faz abrir mão de nossas […]

  • 1583
Comportamento