Apesar de ser cada vez maior o número de mulheres a sustentar a casa, a maneira com que tal situação é percebida ainda não mudou, mesmo com o aumento das taxas de desemprego e o desaparecimento de tantas profissões. Dificilmente poderemos afirmar que a sociedade já aceita o fato como natural: um casal onde a mulher sustenta os dois ou toda família, ainda é visto como “atípico”.
O olhar dos outros pesa sobre a vida a dois, ocasionando sentimentos de vergonha e culpa no homem frente à família e ao grupo social. Muitos casais com este feitio acabam por buscar uma terapia, referindo em geral diminuição do interesse sexual e conflitos frequentes. Muitas vezes, as críticas e acusações mútuas acabam por minar o relacionamento. Esta é uma problemática relativamente recente, mas que tem se tornado mais visível.
No mundo masculino, o dinheiro sempre esteve ligado à fantasia de potência sexual: o imaginário, em nossa cultura, associa “potência masculina” a uma força de iniciativa e decisão, que correria o risco de ser diminuída quando a mulher se torna a provedora do lar. Mas os acordos variam de um casal a outro: há casais que afirmam viver serenamente lado a lado e há aqueles para quem a assimetria financeira chega a atingir a vida sexual e há os que afirmam que é graças a um bom entendimento sexual que uma eventual assimetria se reequilibra.
A conclusão é a mesma de tantas outras situações de vida: não é o fato em si, mas como cada um lida com ele, que determina o seu papel em nossas vidas. Por isso, a sociedade deveria entender o quanto é impossível generalizar. Sempre.
Poderíamos dizer que um casal é funcional a partir do momento em que compartilha o conjunto, o todo da vida, do qual o dinheiro faz parte. Quem o ganha não detém forçosamente o poder na relação. Se for a mulher, é comum que a fantasia da “mulher toda poderosa” surja, mas tudo isso é apenas uma construção psíquica. O que de fato mata o desejo e a relação amorosa parece ser muito mais a ausência de franqueza, sinceridade, transparência, a tentação de varrer assuntos “difíceis” para baixo do tapete. Mentir ao parceiro, ou buscar minimizar uma situação potencialmente geradora de conflito, equivale a uma recusa de considerar o outro como um igual.
O terapeuta Bernard Prieur, psicanalista francês estudioso do tema, afirma que fazer de conta que a assimetria financeira não existe, não funciona. O importante é que cada um se sinta dando e recebendo e que determinadas regras na convivência se flexibilizem, de forma que “um se reveze com o outro quando necessário, para que uma verdadeira complementaridade tenha lugar”.
As gerações futuras deverão ser ainda mais confrontadas com o desemprego do que as atuais mas, em compensação, deverão ter mais facilidade de viver uma alternância dos papéis e das funções, qualquer que seja o sexo e a forma como um e outro contribuam para a subsistência e a segurança da família. O trato com o dinheiro, afinal, nada mais é que uma indicação da condição e da natureza do vínculo que nos une ao outro.