Em busca de si mesmo

Comportamento
27.nov.2018

Um tipo de pensamento que passa pela cabeça da maioria das pessoas  atualmente é: “acho até que está tudo indo bem na minha vida, mas será que sou tão feliz quanto poderia ser?” E aí, nossa pergunta: o que será que faz questionamentos desse tipo serem tão comuns em nossa cultura atual?

O filósofo alemão Richard David Precht lançou um livro com o título “Quem sou eu, e se sou, sou quantos?”. A frase coloca com perfeição a atual questão da identidade: a impressão que se tem hoje em dia, é de ser não mais um, mas de conter em si uma pluralidade de seres. Seria só uma impressão?

A ideia de indivíduo “múltiplo” é vista hoje como uma evolução de nossa sociedade: ultrapassada passou a ser aquela pessoa “previsível”, que fica se esforçando para trilhar caminhos pré determinados por seu meio, seja familiar, social ou cultural. Mais livres, passamos a ter todos a possibilidade de explorar em nós uma multiplicidade de caracteres e de potenciais.

O que nos diz nosso tempo é que é preciso saber ser flexível, se adaptar ao que vem. E, sobretudo, não se “fixar”, pois tudo está em constante mudança. Daí que o contexto atual está muito mais para o conceito das identidades “flutuantes”, “provisórias”, ”descartáveis”: são muitos nomes, muitos autores, para descrever o mesmo fenômeno.  Ser um, de acordo com padrões ou referencias bem definitivas, sem dúvida ficou mais difícil. Bem como ficou difícil, então, “se encontrar”.

E por que seria preciso se “encontrar”? Esta expressão é uma modalidade do “seja você mesmo”, que remete a uma concepção mais antiga do indivíduo. O que se acreditava é que era preciso um mergulho nas profundezas de si mesmo, até se encontrar uma espécie de núcleo imutável. Aí é que seria possível anunciar: “eu me encontrei!”. Hoje, outro conceito ganha força. Aquele que consiste em ver o indivíduo como um ser em constante renovação, que segue se reinventando, ao longo de suas experiências. Tal concepção do indivíduo estaria mais de acordo com nossas exigências contemporâneas e tende a suplantar a anterior, única até então.

Hoje, por exemplo, se perguntarmos a um casal que está separado há alguns anos o motivo da separação, é provável que digam “não evoluímos na mesma direção”, ou “eu mudei”… Eles não tem a sensação de terem cometido propriamente um erro, mas simplesmente de terem vivido uma experiência que os enriqueceu, mas que não se encaixa mais com quem eles se tornaram.

Talvez tenhamos nos cansado de nos “procurar” a vida toda e hoje preferimos, de tempos em tempos, ousar dizer: eu me encontrei!! São insights parciais, mas que alegram nossa existência. Pequenas descobertas que, no momento que nos surgem, nos dão a sensação de que chegamos a uma visão definitiva de nós mesmos. Mais adiante, vem outro “insight” que rearranja todo este conjunto que somos nós. Não é que sejamos outro, somos aquele mesmo, apenas um pouco modificado por nossa nova compreensão.

Por isso é que não se pode mais dizer que alguém se encontrou, de maneira completa e inequívoca. Hoje, de tempos em tempos, e ao longo das experiências de vida, nos damos conta de algumas “verdades” a nosso respeito. Uma pequena coisa que passaremos a chamar de “um traço de personalidade”, ou de “uma convicção”, ou “um valor”, e que passa a ser consistente o suficiente para nos definir, aos nossos olhos. Ao menos por algum tempo.

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