“Era só pedir…”

A Dois
30.jan.2018

Um pequeno vídeo anônimo circula nas redes sociais francesas desde meados do ano passado e, como se diz hoje em dia, “viralizou”. Mostra dois amigos conversando, e um serve um café ao outro. A certa altura, o anfitrião interrompe a conversa dizendo que precisa lavar a louça. Seu amigo, um pouco irritado, comenta: “acho maravilhoso você ajudar sua mulher. Eu, quando ajudo a minha, nunca recebo um obrigado. Semana passada, até varri a casa, e ela, mais uma vez, nem me agradeceu”.

Aí, diz o primeiro, “eu não ajudo minha mulher”. E explicita, com algumas frases: “Minha mulher não precisa de ajuda. Ela precisa de um parceiro. Eu não ajudo minha mulher a limpar a casa. Eu a limpo, porque moro aqui. Não ajudo minha mulher a cozinhar. Eu cozinho, porque moro aqui. Não ajudo minha mulher a cuidar das  crianças. Eu me ocupo delas, pois são também meus filhos. Não ajudo minha mulher a lavar a roupa. Eu lavo a roupa, porque é também a minha roupa e dos meus filhos”.

Muito bom, não é?? A questão da distribuição das tarefas domésticas está na ordem do dia nas conversas entre as francesas. Em enquetes sobre o que esperam do “parceiro ideal”, muitas incluem um dado que seria muito menor até pouco tempo atrás: que lave a louça e ajude na arrumação da casa! A adesão masculina ao pensamento exposto no pequeno filme parece estar se tornando, por lá, fundamental para um bom casamento.

Embarcando nessa onda, a também francesa cartunista Emma criou uma história em quadrinhos chamada “fallait demander” (“era só pedir” – https://goo.gl/JkNfZi ), em que descreve o que chama de “a carga mental das mulheres”. Em Era só pedir, fica claro como as mulheres, além de executar o trabalho doméstico, são também responsáveis por toda a logística da casa, o que inclui se lembrar de manter a despensa cheia, pagar contas, estabelecer rotinas e, se há filhos, controlar tudo que diz respeito a eles. Enfim, providenciar todo o necessário para que o lugar funcione perfeitamente. O marido ou pai das crianças pode até fazer algumas coisas, mas espera ser solicitado e, em geral, não toma a iniciativa. E, se a mulher reclama, retruca: “mas por que você não pediu ajuda? Era só pedir…”

A HQ da Emma viralizou justamente porque conseguiu traduzir o sentimento, constante e presente entre as mulheres, de que o trabalho de gerenciar a casa e os filhos é invisível e interminável, além de ainda “pertencer” à mulher. 

Por aqui, achamos ótimo que este assunto não esteja mais sendo evitado entre os casais. Afinal, caminhamos bastante nas últimas décadas e diria que estamos quase lá; um pouco mais de conscientização e a situação deverá se equilibrar ainda melhor.

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