A escolha de ser só

A Dois
13.jul.2016

Enquanto, nos anos 70, foram as feministas que elogiaram a solidão, parece hoje que são as jovens gerações que abraçam cada vez mais a solitude, preferindo-a  às cada vez menos suportadas uniões problemáticas e cheias de tensão. Naquela época, muitas feministas escolheram viver sozinhas, não somente para alinharem sua vida privada com sua ideologia, mas também para se resgatarem como pessoas, em busca, cada uma, do seu “eu”, livre e autônomo. Clamavam pelo direito de possuir “um quarto todo seu”, ou mesmo “uma cama toda sua”, em alusão aos aposentos divididos de um casal. Queriam um lugar onde pudessem viver livres, por e para si mesmas.

Era vigente na época, naquele grupo, a ideia de que ser parte de um casal suprimia a porção de solidão indispensável à existência do indivíduo. Afirmavam por exemplo que, num casal, a pessoa nunca está sozinha: mesmo se o outro está ausente fisicamente, ele continua a ter seus pontos de referência demarcados pela casa.

Radicalismos à parte, hoje parece mesmo que ser parte de um casal é algo que está longe de funcionar como um remédio contra a solidão. Primeiro porque, fazer parte de um casal, em geral enfraquece os laços de ambos com a coletividade, por se estabelecer uma barreira entre si e os outros. Isto é fato: é só observar como um indivíduo sozinho em geral “se atira” mais ao mundo que o cerca. Tanto homens como mulheres sozinhos sentem mais necessidade de ter uma vida própria rica, com inúmeros e diversificados contatos com o mundo exterior.

Além disso, num casal, existe a tendência à dependência mútua que, se exagerada, levará a que se abdique da própria liberdade e independência. Tornam-se assim ambos mais frágeis e, em caso de uma ruptura ou desaparecimento do outro, aquele que resta é remetido ao isolamento. Não muito raramente, à rejeição social. Isso porque, a partir do momento em que o indivíduo deixou de existir em si mesmo, também deixa de existir a coletividade onde ele continuaria a ter seu lugar.

Nas últimas décadas passamos a aprender a viver para nós e a cultivar nossas individualidades. E nisso somos ajudados, inegavelmente, pela percepção de que precisamos nos proteger dos riscos do sofrimento vindos dos outros. Isso se torna um imperativo categórico para algumas pessoas pouco flexíveis ou especialmente desprovidas de talento para a convivência. Por outro lado, tais pessoas podem até ser vistas como altruístas, em vez de egoístas. A certeza de que vão ser infelizes e ainda fazer outros sofrerem rege sua lógica, não tão  autocentrada como costuma pensar a sociedade, numa avaliação mais simplista e apressada.

A ideia de que o ser humano “não nasceu para viver sozinho” ainda prevalece. Mesmo dentro de círculos de pensadores, há quem descreva a procura de estar só como uma “busca narcísica de autonomia a qualquer preço.” Segundo alguns, seria o sintoma de uma condição patológica, próxima de um estado depressivo.  Não somos, entretanto, forçados a aceitar apenas esta visão pessimista dos que buscam viver sozinhos. No passado, muitos pensadores (tanto estoicos como epicuristas) identificavam este estado com a sabedoria e a quietude. A procura da autossuficiência não significa necessariamente a incapacidade de estabelecer uma relação dual, mas a recusa de pagar qualquer preço por ela. A tranquilidade da alma, tão cara a todos, alguns, desconfia das paixões e dos excessos de todos os tipos. Ela teme, mais que tudo, a perda do domínio de si, mas pede também a serenidade de uma  psique satisfeita.

Humanos que somos, temos consciência de que nossa plenitude nunca é total. O aprendizado pela solidão vem e é uma força, apesar de não ser uma finalidade em si. Muitos de nós, hoje em dia, após passarem longos períodos de sua vida vivendo sozinhos e  satisfeitos, voltam a ser novamente parte de um casal. Isto traz um outro patamar de exigência à vida em comum, que passa a ser apenas a união, e não a fusão, de duas identidades, respeitadoras de sua liberdade mútua.

simone_sotto_mayor

 

 

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