Intimidade e a dor emocional

A Dois
14.abr.2015

Em muitas famílias, não é possível se perceber ou se ter uma noção bem formada de individualidade, de um “eu” separado do todo. Parece antes haver apenas um grande eu, do qual todos fazem parte. A identidade é a de todos, e não a de cada um. Entretanto, para se ter um relacionamento íntimo, é preciso primeiro aprender a ser um indivíduo autônomo, separado de qualquer conjunto desse tipo. Somente assim, separado, é que se tem a verdadeira noção de seu próprio e independente eu.

Quando não existem fronteiras claras de onde começa e acaba o próprio “eu”, tornar-se íntimo parece algo muito perigoso. A fantasia, não consciente, é de que, se eu deixar entrar alguém em meu universo interior, corro o risco de ser dominada, ferida ou até mesmo aniquilada pelo outro. Ou seja, posso até achar que desejo um relacionamento íntimo, mas o medo sempre me impedirá. Assim, a saída mais imediata será escolher relacionamentos que apenas afastem a solidão, mas que nunca chegarão a se tornar relações onde a intimidade esteja presente.

A intimidade pode ser libertadora e até exercer efeito  curativo sobre nossas dores emocionais, mas ela só acontece de verdade quando nos sentimos seguros o suficiente.  E para permitir que a intimidade se desenvolva,  precisaremos, em algum momento, deixar de lado nossas “armaduras” emocionais, permitindo-nos uma certa vulnerabilidade. Só podemos ser íntimos de alguém quando conseguimos ser vulneráveis. Teremos então vencido o medo de nos machucar, de alguma forma, numa relação.

E se alguém sonhar em ter mais intimidade em sua vida, existiria um caminho para obter isso?  O passo inicial será, como dissemos, desenvolver seu eu autônomo, independente. Além disso, enquanto não trabalhamos suficientemente nossos próprios obstáculos à intimidade, não somos capazes de iniciar um relacionamento intimo, não importa com quem seja. Nesse caso, não se trata de “encontrar” a pessoa certa e sim de “ser” a pessoa certa. Recentemente, comentamos aqui o fato de pesquisadores estarem concluindo que a verdadeira liberdade, em termos de amor, está em escolher a  interdependência. Este passo só pode ser dado quando já nos individualizamos o suficiente.

A capacidade para a intimidade é importante não apenas nas relações amorosas a dois. À medida em que cresce nossa competência para a intimidade, passamos a poder fazer escolhas diferentes e melhores em todas as frentes da vida. Por vir de um longo aprendizado, a noção de intimidade, em geral, surge com o tempo e muito trabalho. A maioria de nós, quando muito jovens, talvez não chegue sequer a ter a noção de quão reconfortante é a verdadeira intimidade: ver, sentir, ouvir e processar o mundo interior de outra pessoa, em vez de apenas “projetar” nela imagens do que  achávamos ou queríamos que ela fosse. Ao final do processo, apreendemos o imenso valor que existe no fato de podermos ser totalmente espontâneos, sem disfarces e acolhidos por outra pessoa.

Todos precisamos de algum grau de apoio emocional que, na prática, consiste em comunicação verbal e não verbal de interesse e preocupação. E pode até ser difícil de acreditar que algo tão simples como conversar (de verdade) com os amigos, sentir-se unido afetivamente à família, compartilhar sentimentos mais abertamente, intensificando a intimidade, possa fazer tanta diferença na saúde e no bem-estar.  Várias pesquisas, entretanto, indicam que isso de fato acontece, conforme mostrou o cardiologista americano Dean Ornish anos atrás. Ele reuniu, em seu livro chamado “Amor e Sobrevivência”, um grande numero de estudos que confirmam o papel protetor da amorosidade e dos relacionamentos com vínculos consistentes em intimidade. Eles reforçam, conclui o médico, até nosso sistema imunológico e nossa resistência às doenças. Ou seja, sentimento de solidão e vida em isolamento ajudam a criar um solo fértil para uma saúde mais fraca.

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