Lidando com o fim de nossos pais

Filhos
10.fev.2016

 

Tenho pensado mais no fim, e acho até que ainda não me acostumei com isto. Mas a vida vai passando, e os interesses vão mudando. Minha geração esteve à frente de muitas mudanças, sem instruções para lidar com diversas situações novas. Como agora, quando vejo muitos de nós às voltas com a questão de como cuidar de nossos pais idosos. Ninguém nunca nos avisou como seria, já que as pessoas viviam menos. E, pessoalmente, ainda dou a sorte de ser médica: as lides com o ser humano me deixaram um pouco menos despreparada para enfrentar tudo isso.

Ao longo da vida, vi gente adoecer e morrer de todo jeito. Sei de alguns casos extremos, em que os que sabem que vão morrer experimentam verdadeiro ódio em relação aos que ficam. Tentam manipulá-los ainda em vida, iniciando um processo que, se bem sucedido, fará com que consigam controlar os vivos, mesmo depois de mortos, somente  por meio da culpa por aqueles terem sobrevivido.

Absurdo? Loucura? Nada disso. Aprendi, com o tempo, que nossa tendência natural já é nos sentirmos culpados por sobreviver aos que se vão. Uns mais, outros menos, mas sempre existem fantasias do tipo: “ah, estive com ele no dia tal, ele me falou isso assim, assim, e se eu tivesse feito isso ou aquilo, poderia ter evitado”… Como se pudéssemos impedir a morte de seguir seu próprio rumo.

Hoje temos, cada vez mais, a chance de acompanhar os últimos anos de nossos pais, tentando dar-lhes o melhor que estiver ao nosso alcance. Será que seremos poupados de tais fantasias de culpa, que nossa geração terá mais sossego? Acreditemos que sim. Mas antes disso, o caminho “operacional” será longo, e cheio de surpresas.

Como lidar, por exemplo, com os médicos e os tratamentos oferecidos? Nossa, quanto discernimento e bom senso são necessários!! O “responsável” tem que pensar o tempo todo como se fosse o paciente, e o que ele preferiria para si, se estivesse em condições de escolher.

Tornando as coisas um pouco mais difíceis, alguns médicos ainda não parecem acostumados à ideia de que as pessoas estão vivendo bem mais que 80 anos hoje em dia. Os 80 parecem até funcionar como um marco. A partir daí, alguns profissionais, provavelmente de forma inconsciente, agem como se o paciente idoso já estivesse vivendo “no lucro”. Muitos parecem perder o interesse e, algumas vezes, infelizmente, vai-se também um pouco do bom senso. A família se vê sozinha para “lutar” pelo seu ente querido.

É claro que existem as exceções maravilhosas, ufa!! Mas tomara que chegue logo o dia em que todos os idosos sejam tratados como só alguns hoje o são. Sendo os de hoje, principalmente, aqueles de grande visibilidade pública. Ingenuidade pensar que “comuns” recebem a mesma dedicação e desvelo. Este capítulo, hoje em dia, está só com a família mesmo.

Eventualmente, ainda há médicos mais jovens, sempre afoitos por praticar, especialmente quando se veem diante de um caso raro e “bonito”, na jargão da categoria. Procedimentos são oferecidos com insistência até, sem que as reais chances de sobrevivência e qualidade de vida posterior sejam levadas em conta verdadeiramente.

Finalizando o pacote de desafios, está prevista a montagem lenta de toda uma infra estrutura em casa, e as discórdias com planos de saúde em geral. Tudo para que nossos idosos tenham, minimamente, um final digno.

Não, não nos avisaram que seria preciso saber lidar com tantas coisas…

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