Lucky

Cultura
14.abr.2021

Nesses tempos de vírus e mortes, é raro ler alguma coisa que não fale de perda ou luto. É como se, de repente, sem levar em conta o tempo de vida de cada um, estivéssemos todos diante da realidade brutal que é a finitude. E cada um que trate de administrar o impacto da visão diante de si do jeito que puder. Há que se proteger um pouco procurando coisas para assistir e degustar nesses tempos difíceis. Palestras, cursos, aulas, lives, todo mundo já colecionou algumas. De minha parte, atualmente, assisto um pouco de noticiário à noite e a seguir vou garimpar pelas plataformas em busca de um filme ou série que não fale de crimes ou maldades diversas.

Foi assim que encontrei “Lucky”, filme de 2017, com Harry Dean Stanton no papel-título, no auge da carreira e em seu trabalho derradeiro, já que faleceu no mesmo ano. O roteiro, leio depois, foi escrito tendo Harry Dean em mente como protagonista, o que explica semelhanças entre personagem e ator: ele também serviu na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial, nunca casou, nunca teve filhos. Mas o filme ainda traz o diretor David Lynch fazendo uma ótima participação como ator no papel de Howard, numa divertida sub-trama cheia de nonsense.
Na superfície, o filme se resumiria à rotina de um homem velho e solitário, que atende pelo apelido de Lucky (sortudo, em português).  Acompanhamos esse senhorzinho frágil em seu vai e vem pela cidade poeirenta onde mora, e o filme vai ganhando cada vez mais profundidade. Quando menos se espera, a trama já se voltou para a abordagem delicada e silenciosa de questões cruciais, como a mortalidade e o significado da vida, o valor dos relacionamentos e nossa vulnerabilidade diante de tudo.

A idade avançada do protagonista contribui para deixar verossímil o retrato de um Lucky próximo da morte: ele caminha em passos curtos, com uma cadência  de quem busca se equilibrar cada vez que a sola do pé toca o chão. Com seu carisma, o personagem conquista todos à sua volta e mostra como a velhice pode ser vista com maior empatia.

Através de ótimas atuações (todos os atores estão excelentes), Lucky fala sobre o fim da vida, mas dá muito mais a entender sobre permanências, legado, laços e paz de espírito. O fato de o protagonista ter falecido aos 91 anos, no mesmo mês em que o filme estreou oficialmente nos cinemas americanos, fortalece a temática da velhice e a inevitável chegada da morte.

“Lucky” traz o enfrentamento da finitude com pitadas de humor, nonsense, alegria, angústia existencial, ternura, solidão, afeto, empatia… uma mistura imbatível.

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