Com o passar dos anos, as pessoas vão consumindo o reservatório de esperança na existência bem-sucedida, “feliz”, que trazem consigo desde a juventude. Os jovens costumam olhar a infelicidade à sua volta e pensar: “Tudo bem, comigo será diferente.” A alegria e o otimismo são exuberantes nessa época e vão sustentando a vida emocional. Ao longo da vida, vêm as decepções nas relações interpessoais, familiares, amorosas ou de amizade. Sonhos não realizados (e muitas vezes por tanto tempo acalentados) geram frustrações que vão se acumulando.
Tudo isso parece ser razoavelmente bem absorvido pelas pessoas até a meia-idade. A partir daí, é como se a corda já tivesse sido muito esticada e estivesse sempre ameaçada de romper. Sinais de falência física e psíquica (doenças mais ou menos importantes, desânimo, depressão, amargura) começam a ocorrer. A sensação de decepção com a existência é acentuada por uma impressão de revolta: “Como ninguém me avisou que a vida era assim?” Um sentimento forte de desamparo e solidão em geral passa a estar presente também.
É nessa fase da vida que as pessoas começam a lamentar não terem tido a atual visão ou a experiência para delas se utilizarem nas situações do passado. Tem-se muitas vezes a impressão de que a vida poderia ter tomado um rumo completamente diferente se somente “aquele” único passo não tivesse sido dado. É verdade, mas nada garante que qualquer outro caminho teria sido livre de sofrimento. Aliás, a única coisa que se pode ter certeza é que algumas dores sempre estariam contidas no “pacote” da vida de cada um, fossem quais fossem as escolhas.
De qualquer forma, as constatações mais realistas a respeito da vida chegam com a maturidade. Como evitar que o viver daí em diante se transforme num fardo difícil de carregar, que torne a jornada existencial insípida, ou, pior, amargurada e cética?
Antes de tudo, é preciso compreender que viver plenamente e cometer erros é de grande valia. Pois quando sobrevivemos e aprendemos com eles, temos um conhecimento que é só nosso, intransferível e que vem da própria experiência. Grandes erros podem levar a uma grande sabedoria se neles procurarmos prestar atenção. Para com eles aprender e deixar de repeti-los.
Valorizar a própria percepção e respeitar a própria sensibilidade permitem à pessoa perceber as pistas que surgem no início dos relacionamentos, por exemplo. Um posicionamento que coloque uma barreira à repetição de padrões já conhecidos é exigido, de maneira a impedir decepções já experimentadas.
E quando, finalmente, se vai poder aprofundar as relações com as pessoas? Quando as relações tiverem a possibilidade de nos nutrir afetivamente. Precisamos ter o nosso “gueto,” seja em família, ou família e amigos, ou mesmo só amigos. Pessoas que nos queiram bem de verdade, que não sintam necessidade de nos atacar, mesmo que seja “sem querer” e só de vez em quando… Gente que não “discute” nada conosco, que apenas deseja trocar. É raro, difícil de se encontrar? É verdade, especialmente em meio à cultura individualista que nos cerca. Mas sempre o mais abundante não é o mais valioso. E ser raro não quer dizer que não exista.
Artigo publicado originalmente no jornal ‘O Globo’, em 18/11/2000