Novos desafios da ruptura amorosa

A Dois
20.out.2015

Em tempos em que parecer estar bem tornou-se vital, com frequência rupturas amorosas são, pelo menos na aparência, rapidamente superadas. As pessoas à volta não tem tempo a perder, nem querem abrir espaço para a dor emocional alheia.   Por outro lado, ninguém quer ser visto como “para baixo”, “fraco” ou “despreparado” para a vida. Até para continuar em seu grupo social, é preciso obedecer à ordem dominante. Na atual sociedade do entretenimento, a ordem é: “Uma boa performance, e vamos em frente!”.

Entretanto, isto não altera a realidade das coisas. Fato é que, se uma ruptura amorosa não se faz anunciar, de alguma forma, a chance de ser vivenciada como algo brutal é grande. Sem fatos ou discussões prévias a prepararem o terreno, sinalizando alguma fragilidade da relação, o que se pode dizer é que este é um momento particularmente chocante e potencialmente traumático. E vem se tornando pior ainda, no  contemporâneo “modus operandi” dos relacionamentos, em que as palavras esclarecedoras simplesmente não comparecem. Para entender a ruptura, a única ferramenta de que muitos dispõem hoje é o doloroso e solitário exercício de decodificar as atitudes de quem já se afastou.

Mas, em se tratando de ruptura amorosa, seja repentina ou progressiva, a consequência no início é a mesma: sente-se como se uma parte nossa tivesse sido amputada. Além disso, cada final de historia amorosa tende a fragilizar, ainda que temporariamente, nossa confiança em nós mesmos e, com certeza, nossa crença no amor. Isto porque, enquanto amamos, acreditamos completar alguém e, naturalmente, nos sentimos também sendo completados por este alguém. Com a ruptura, o que se dá é o fim de tal “ilusão de completude”, resumem estudiosos do assunto. Daí a sensação de faltar-nos um pedaço, de amputação mesmo.

Em adição à decepção com a falência dos planos e sonhos, surge mais uma situação difícil de lidar: sentíamo-nos uma espécie de “tesouro” para alguém, e de uma hora para outra  viramos algo perfeitamente descartável. Como aceitar isso? Tal mudança de status nos parece tão insuportável que alguns de nós, podem, num primeiro momento, confundir o fato de desaparecer aos olhos do outro com sua própria desaparição da vida. Inconscientemente, associam  solidão à morte, e, neste caso específico, existir para o outro vira uma espécie de “prova de vida”. Isso, é claro, traz muita angústia a quem percebe os fatos desta forma. E mais: pode-se imaginar como pode ser difícil não se poder compartilhar tal angústia com alguém, já que não é isso que se espera de ninguém “normal”, hoje em dia.

O que se percebe somente com o passar do tempo (infelizmente), é que sentir falta do outro não significa necessariamente estar condenado a “parar a vida para sofrer”. Logo após uma separação, fica difícil enxergar o conjunto da situação com lucidez. O que é uma pena, já que é a partir de experiências de rupturas e perdas que nos são dadas as melhores oportunidades de ressurgir de nós mesmos.

Ao estabelecer uma nova rotina, nosso eu reaparece aos poucos: começamos a nos reencontrar por coisas simples, a lembrar do que nos dá prazer e a descobrir novas afinidades. Mas atenção: este “renascimento”, este voltar à vida, só ocorre quando houver, de fato, uma ruptura interna com o passado.  Após decidir conscientemente desapegar-se e seguir em frente, é que alguém estará apto a começar a se refazer. Um pouco mais, e se surpreenderá com sua capacidade de recuperação, ao conhecer o prazer de estar só. Existem muitas possibilidades de alegria, liberdade e quietude no fato de estar só, que são maravilhosas quando conquistadas.

E, para completar, que tal buscar a certeza de que nunca mais seremos apenas e outra vez um casal a mais? Aceitar não fazer parte do grupo majoritário, encarar o fato de ficar só como uma boa oportunidade de se recriar, pode ser bastante animador, ou não??

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