O Birdman e nós

Cultura
05.maio.2015

Neste mês de tantos feriados, nada como um bom cinema. Assistir a um filme é uma deliciosa viagem. E é única, porque cada um de nós perceberá a obra com seu olhar único. E o gostoso é poder trocar impressões, sair compondo um terceiro ou quarto filme, “costurando” os pedaços que cada um viu do seu jeito. É claro que, como nas viagens, vamos encontrar lugares que se tornam “parte de nós” e outros que rejeitamos e não queremos voltar. Mas só conhecendo para saber quem é quem.

Assim, apesar do apregoado estilo “realismo fantástico”, o filme é bastante realista. Oferece várias vertentes para ser apreciado, é preciso escolher uma. Escolhi a da luta entre o preconceito externo e o sentimento de ilegitimidade interno. Estão presentes: o preconceito de atores de teatro contra atores de televisão, a ideia de que a arte de representar está no teatro apenas, a figura da crítica-quase- megera que sabe de seu poder e já anuncia o que vai escrever antes mesmo de assistir a peça, porque o ator não é do seu círculo… O triunfo, antecipado por ela na frase “vou acabar com você”, a eterna questão dos egos em conflito, a angústia da luta do protagonista para ser visto além do preconceito que parece dominar. O sujeito tem que “atuar”, no sentido psicanalítico ( ou seja, “falar” pela atitude). Para derrotar as barreiras da oposição, só encenando o absurdo, o inesperado. Ao fazer a tragédia fictícia virar violência verdadeira no palco, transforma-se no ator consagrado que sonhava ser. Enquanto isso, o espectador se contagia pela angústia  do personagem, perseguido pelo som ininterrupto, nervoso, de um solo de bateria ao fundo.

Parecia que não havia saída, mas ela surge pelo exorbitante, pela psicose, pelo “over”. Quando tudo indica  que a ideia deixou de ser vencer e passou a ser desistir, vem a vitória.

Quantas vezes o mesmo aconteceu conosco? Lutamos contra tudo e contra todos, por uma “causa impossível”, cada um de nós tem muitas delas ao longo da vida. E quando desistimos ou estamos prestes a isso, atingimos “milagrosamente” nosso objetivo. Todos os que persistem em alguma coisa já passaram por isso. Como se explica?? Alguns falam em “diminuição da expectativa”, outros em  “remanejamento de energia”, a psicanálise falaria talvez da desistência de “tentar controlar” a própria vida, as religiões de “entrega” ou “desapego”, a auto-ajuda do “let it go”… quem sabe é um pouco de tudo isso ou será nada disso?

No caso do filme,  criatividade e desespero se unem numa saída inesperada e inédita. E é o que acontece conosco, sem nem nos darmos conta da intensidade de vivências assim.  Ou seja, somos capazes de inventar as mais surpreendentes soluções para problemas, justo quando pensamos que já não temos mais chance de encontrá-las.

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