O “nunca mais”

Comportamento
06.set.2016

É preciso disposição para pensar nos tipos de medos a que nós, seres humanos, estamos expostos, tantos que são. Como superar os medos que acabam nos impedindo de viver bem, livres e lúcidos, capazes de pensar, agir e amar?

Pois é, a maioria dos medos que nos surgem na infância vão embora com o tempo. Porém alguns, teimosos, insistem em ficar conosco. Ao longo da vida, ainda se juntam a eles novos e diferentes medos, dependendo do que vivenciamos. E, para completar, a tomada de consciência da realidade traz consigo, aos poucos mas de forma contínua, aqueles medos mais modernos, ligados à evolução dos tempos, como o desconforto diante das  incertezas que caracterizam os dias atuais.

E, sobretudo, há o maior medo de todos e que tem ascendência sobre todos os outros. Trata-se do medo da morte, que surge em decorrência da consciência da própria finitude, algo exclusivo da espécie humana. Com o detalhe, ao mesmo tempo sutil e marcante, de que para nós, humanos, a morte não se apresenta apenas no fim da vida. Ela, na verdade, pode irromper várias vezes na vida no meio da existência mais tranquila, simplesmente através da súbita consciência que por vezes temos do irreversível. Trata-se da vivência do “nunca mais”. Ora, mas o que é isso, no fim das contas?

Falamos de algo que todos nós experimentamos de vez em quando, cada vez que nos damos conta que acontecimentos vividos não retornarão jamais. E que o tempo perdido não se recupera, tampouco se reencontra.

Constatamos, muitas vezes a contragosto, que na vida só se anda para a frente, e que a história bíblica de não olhar para trás parece mesmo fazer sentido: o passado não deve atrair mais a nossa atenção do que o presente. Senão, ficamos paralisados, viramos “estátuas”.

Há até quem prefira chamar esta noção do “nunca mais” de “mortes em vida”. Estudiosos acreditam que  começamos a acumular nossas pequenas “mortes internas” ( na verdade, as perdas normais da existência humana) desde a infância. Assim, mesmo as crianças, que não tem a noção da finitude da vida como referência, terão a experiência de uma pequena morte dentro de si toda vez que passarem por uma situação de perda, como a separação prolongada de alguém querido, ou mesmo uma mudança geográfica, em que muitos de seus referenciais são perdidos.

Como lidar com tudo isso? Esta foi nossa indagação inicial. A questão de ordem prática parece ser aceitar que, ao longo da vida, cada um de nós acumulará, inevitavelmente, um acervo pessoal de perdas.  É preciso aprender a administrá-lo e, ao mesmo tempo, manter ao máximo acesa a chama da nossa energia vital. Ela se traduz por alegria de viver, disposição para o riso, curiosidade o mais próximo possível da infantil.

Este é nosso grande, constante e decisivo desafio e a tomada de consciência de nossa frágil condição é o primeiro passo para vencer uma batalha que se torna mais intensa com o passar dos anos. Afinal, quantas pessoas de mais idade você conhece que estão perdendo o brilho de alegria no olhar?

simone_sotto_mayor

 

 

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