O pacto com a transgressão

Filhos
14.nov.2017

Por que os brasileiros têm tanta dificuldade com as leis? Por que são tão indisciplinados e acham que é tolo seguir as regras? Por que têm sempre medo de pensar que são “otários” se fizerem as coisas conforme a legalidade?

Talvez poucos se façam essas perguntas, mas deveriam. Este orgulho de transgredir está custando caro: algumas famílias estão pagando, e muito, por causa da conduta desviante dos filhos. Cada vez com mais frequência, se vê na mídia os chamados “filhos da classe média,” envolvidos em diversos tipos de crimes, antes cometidos apenas pelos excluídos da sociedade.

Esses exemplos podem parecer só exceções à regra e, por isso, a maioria das pessoas se sente distante dessa realidade ainda. Há, no entanto, um outro evento, bem mais comum, que atinge a todos os que têm filhos adolescentes: o uso abusivo das bebidas alcoólicas. Nunca tantos jovens morreram em acidentes de trânsito como nos últimos anos, nas madrugadas das grandes cidades.

Onde está a participação dos adultos? Nessa cultura de transgressões acredita-se que se desviar da lei “só um pouquinho” não faz mal. Assim, é comum os pais acharem um exagero que os filhos só possam consumir bebidas alcoólicas aos 18 anos, como prevê a lei. E, por isso, tratam de antecipar o evento pelo menos em dois anos, na medida em que não proíbem os próprios filhos de consumir álcool. Raros são os pais que não permitem bebidas alcoólicas em festinhas para adolescentes, o famoso “dentro de casa pode”.

Dessa forma, as pessoas acabam criando suas próprias leis e ensinam seus filhos a fazerem o mesmo. Dentro de casa pode? Então, pensam eles, deve poder também dentro da casa dos amigos, na escola (ou bar perto da escola), de dia, de noite, a qualquer momento.

Quando os pais percebem que as transgressões dos filhos começam a fugir do controle, é comum agirem de duas formas. Primeiro, tendem a afastar a ponta de preocupação que teima em surgir na cabeça, negando o que é claro: “Não, ele não faria isso. Não acredito, está tudo bem”.  Deixam de lado a capacidade de raciocinar e tirar conclusões, porque, a essa altura, a realidade já é muito dolorosa de se enfrentar. Não é o que sonham para as próprias vidas, muito menos para a vida de seus filhos. Por isso, negam.

Depois, quando esse primeiro mecanismo de defesa deixa de funcionar, os pais não conseguem mais ter tranquilidade, por mais que se esforcem. Passam a ficar inquietos, querem dialogar com os filhos, mas têm medo de ser rejeitados por eles. Muitos pais não sabem nem se têm direito de interferir na vida dos filhos – ficam confusos, ambíguos, angustiados.

Porém, não se pode esquecer que adolescentes são seres em formação. Dizem para os pais que estão prontos, que sabem tudo de si mesmos, mas não é verdade. Precisam de uma diretriz em suas vidas e cabe aos pais fornecê-la.

Contestar a opinião dos pais é papel dos adolescentes. Os pais é que não podem sair da posição de responsáveis pela formação dos filhos para se colocar ao lado deles, como se também fossem adolescentes. Estão, assim, apenas tentando se poupar de um papel criticado, incômodo, mas insubstituível: o de transmissores de valores éticos e morais aos filhos.

 

Artigo publicado originalmente na ‘Revista Educação’ em 01/11/1999

 

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