Alguém tem notícia de tempos mais propícios a criar nas pessoas o desejo de possuir algo do que os atuais? Pouco provável, não é? Por toda parte, novas satisfações nos são propostas, através de novos produtos que, paradoxalmente, vão nos criar novos desejos. Vai longe o tempo em que achávamos que tínhamos quase tudo e sonhávamos com pouco. Agora que temos muito mais à nossa volta, a ideia é que passemos a querer mais e mais. Para isso, nossas necessidades são constantemente recriadas pela propaganda. A era do consumo nos gera o desejo incessante de virmos a ter o que não temos, de uma forma abrangente. E qual seria o reflexo dessa mudança em nossa vida amorosa, atualmente?
Hoje, tornou-se natural que as pessoas busquem uma parceria amorosa através de aplicativos de celular. Estes estão sendo os sucessores dos sites de relacionamento, em voga pouco tempo atrás. E quem percorre este tipo de caminho? Bem, há pelo menos dois grupos distintos que se cruzam. Há os que estão, de verdade, buscando uma relação estável e duradoura. E há quem esteja simplesmente gostando de passar seu tempo assim, em meio a inúmeros encontros sem compromisso. Pois nunca se teve oportunidade semelhante antes, este é um evento inédito! Ficávamos felizes de encontrar alguém através de nosso próprio círculo de relações e não costumávamos nos indagar se haveria uma outra pessoa à nossa espera em algum outro lugar.
Um amigo me conta que, ao iniciar a busca por um par amoroso através de aplicativos, experimentou um universo de possibilidades de relacionamentos. Mas eram encontros que se transformavam, no máximo, em histórias curtas, pontuais e sem futuro. E meu amigo não havia se dado conta do quanto passou a lhe agradar viver assim, numa espécie de constante festa da sedução. Há pouco tempo atrás, entretanto, conheceu uma mulher que achou superinteressante. Começaram a se relacionar, mas ele logo passou a se perguntar: “E se eu encontrasse outras? Eu a acho bastante especial, mas por que devo ficar com ela, se a próxima pode ser ainda melhor para mim?”
Meu amigo me diz que o que se passa com ele não tem nada a ver com sentimentos, e eu tendo a acreditar nele. Percebo o quanto ele gosta daquela mulher, mas também o quanto se sente, simultaneamente, tomado pelo desejo de viver outros encontros. Ele criou uma teoria para explicar sua incapacidade de cessar a “busca”: para ele, os aplicativos de relacionamento criam uma “adição” a encontros.
Na verdade, a existência dos aplicativos nos remete a algo que até já tínhamos em mente, ou seja, que o real encontro amoroso é a eleição de uma pessoa, entre muitas. Só que, na era dos aplicativos, “muitas” passou a significar “infinitas”. Aí vem o paradoxo: os aplicativos para encontrar parceiros podem estar criando mais a consolidação de vidas celibatárias do que uniões. Confiantes por conta do sucesso obtido com os aplicativos, os novos solteirões também passam a ser socialmente bem vistos, com possibilidades de ter uma vida social intensa. Se antes o celibatário era um sujeito isolado, às vezes até um membro meio incômodo na família, hoje passa a ser enaltecido e tido como uma espécie de herói da vida moderna.
Meu amigo vai deixar aquela mulher. Pode ser até que, após alguns meses mais de busca, ele venha a perceber que deixou passar algo que queria muito. Ou não. Ela, provavelmente, não terá o desejo imediato de se relançar na busca, pela frustração de seu desejo de encontrar um par e estar a dois. Talvez seja feliz mais tarde, tomara. E meu amigo pode simplesmente adotar o novo sistema de vida e fechar o compartimento da troca afetiva para sempre. Tudo isso com o auxílio justamente dos aplicativos de relacionamento, não é curioso?