O quanto é possível se dizer a verdade? Deve-se dizer tudo ao outro? Ou até, é possível se dizer sempre a verdade?
Uma situação limite que um médico (ou até qualquer um de nós) pode passar é: o que se deve dizer a um doente terminal? Contar sempre a verdade e arriscar até prever-lhe um tempo de vida, no caso de sermos médicos? Tudo fica ainda mais complicado se é o doente que pede pela verdade, quando pensa poder suportá-la. Quem pode assegurar que alguém realmente está preparado para lidar com a notícia de que seu fim está chegando?
Atender aos apelos dos que querem saber a verdade, nesses casos, pode não ser ajudá-los a morrer na lucidez e na dignidade. As reações são imprevisíveis. Pessoas muito esclarecidas podem ficar com ódio dos que a eles sobreviverão, outras podem se mostrar tanto amorosas como pragmáticas, preocupando-se com o bem estar dos que estão prestes a deixar e organizando as vidas dos que dependem deles antes de partir.
A discussão é acirrada há séculos: um filósofo acreditava que nenhum homem tem o direito de dizer a outro homem que este vai morrer. Pelo simples fato de que ele pode morrer antes, já que nenhum de nós sabe quando chegará sua hora. No caso do médico, há que se tomar cuidado com a mania da onisciência. De minha parte, acredito que a compaixão deve prevalecer sobre a veracidade, a amorosidade sobre a ciência. Mais vale mentir do que torturar, antes mentir do que apavorar.
Mas a verdade é que cada um faz o que pode nesses terrenos dolorosos. Não há um manual a seguir, agimos de acordo com nossa natureza e nossa experiência. A vida já é difícil demais, para que se condene quem quer que seja. Médico ou paciente hoje, quem sabe amanhã, diante do pior, o que irá fazer, e quanto, de verdade, será capaz de suportar?