Platão e o Amor

A Dois
04.set.2018

O que é amar? O que é o amor vivido, por exemplo, por um casal? “Amar é regozijar-se”, propõe André Comte, filósofo contemporâneo, em contrapartida ao que se atribui a Platão, que teria afirmado que só  amamos o que nos falta, ou seja, amor de verdade teria obrigatoriamente que ser amor não realizado. Será?

Se Platão tivesse razão, se fôssemos capazes de desejar e mesmo amar somente o que nos falta, nossa vida amorosa seria bem mais difícil do que já é. Dizem que ele acreditava que o amor tem a ver com um sentimento de falta que nasceu para  nunca ser preenchida. Parece que Platão estava convicto de que passamos sempre da falta ao tédio, quando alcançamos aquilo que nos faltava. Ele não faz menção ao prazer, à alegria, à felicidade que somos capazes de experimentar quando… desejamos justo o que já temos, aquilo que não nos falta! É claro que temos consciência de que estamos falando dos bons dias que, sabemos, não são todos num relacionamento.  Mas são aqueles dias em que temos a alegria de constatar: como é bom estar aqui com o homem ou a mulher que amamos!

Outros filósofos vieram para se opor a esta ideia: o amor estaria mais próximo da capacidade de nos regozijarmos justamente com o encontro e a realização amorosa. E este regozijo seria muito mais amplo do que se possa imaginar: estamos falando da própria alegria com a vida, que nos dá a oportunidade de viver o amor e muito mais.

Estudiosos dos temas amorosos afirmam que quando, ao fazer amor, buscamos apenas o gozo, estaremos praticando uma “sexualidade masturbatória”. Existe, explicam, uma parte da sexualidade tanto masculina como feminina que é, sim, a busca do orgasmo. Mas há outra experiência, mais existencial, mais preciosa e intensa,  que consiste em não desejar, na relação, “o orgasmo”, mas em desejar o próprio amor que se faz com o outro.  O que compreendemos, ao longo da existência, segundo esses estudiosos, é que este “ápice” nem sempre é o essencial. De qualquer forma, o que ele não pode é valer por si só. Os amantes sabem disso muito bem: o que eles desejam não é o gozo em si,  mas é fazer o amor com seu parceiro/a, e que isso lhes tome muito tempo… Tudo isso não é o que lhes falta, mas o que os regozija. Faz sentido ou não?

A maior parte das nossas historias de amor começa com Platão, no sentido de que começamos por amar a quem não temos. Devido à liberação dos costumes, cada vez mais nossas historias de amor começam depois de um  encontro sexual. Isso significa que, após esse primeiro momento, passamos a sentir falta de algo mais, que não seja só um corpo : uma presença, um olhar, uma palavra ou uma escuta.  Não é a exceção, é a regra, que todos os que já se apaixonaram conhecem. É mais ou menos o que distingue, hoje, uma historia de amor de uma historia de sexo.

Com o tempo, quando já não há falta, a alguns só restará o tédio. Não passarão ao estado de se regozijar com o que é vivido e a falta voltará a prevalecer. Afastam-se, e cada um prosseguirá em sua busca. Outros, apesar do tempo que passa, se tornarão um desses casais que, certamente, terão também seus momentos de tédio, como todo mundo. Mas menos frequentes e menos importantes que os momentos de alegria, de prazer, de humor, de amor, de confiança e de confidência, de ternura e de sensualidade. São casais que aprendem juntos a se regozijar com o que tem: a alegria de amar e  ser amado. O que, convenhamos, jamais será pouca coisa, nem hoje nem nunca, mude o que mudar no mundo.

 

Artigos relacionados

20 set

De infidelidades e primeiras noites

  A vida é cheia de escolhas. Tomadas de decisão o tempo todo, menores ou maiores, nos trazem angústia, muitas vezes até sem termos consciência disso. Principalmente naqueles momentos em que tomamos decisões que vão contra o que sabemos ser o senso comum. Achamos que o certo é a forma de pensar da maioria das […]

  • 2473
A Dois
8 maio

As diferentes visões de amor

A revolução sexual dos últimos trinta anos não modificou o erotismo feminino, que continua a alimentar-se de conteúdos sentimentais. As mulheres são consumidoras fiéis de todo um ideário romântico, que é hoje cuidadosamente elaborado para lhes ser vendido. Assim, personagens masculinos são especialmente compostos para atender às expectativas românticas das mulheres ao redor do mundo, […]

  • 9444
A Dois
30 jan

“Era só pedir…”

Um pequeno vídeo anônimo circula nas redes sociais francesas desde meados do ano passado e, como se diz hoje em dia, “viralizou”. Mostra dois amigos conversando, e um serve um café ao outro. A certa altura, o anfitrião interrompe a conversa dizendo que precisa lavar a louça. Seu amigo, um pouco irritado, comenta: “acho maravilhoso […]

  • 2818
A Dois