Não há, hoje em dia, uma menina que não queira se vestir como uma princesa. No dia a dia mesmo, não precisa nem de ocasião especial: todas querem é se fantasiar e sonham em ser princesas na vida um dia. E como seria, afinal, a fantástica vida de uma dessas “princesas”?

Bem estabelecida em nosso imaginário, a princesa faz parte, há muito, da construção de nossa identidade feminina. Ela é uma imagem universal, que aparece nos contos e nos mitos. Na historia ocidental, a princesa surge primeiro nos relatos medievais de trovadores do século XII e se fixa graças aos irmãos Grimm e outros criadores dos contos de fadas, uns cinco séculos mais tarde. Desde então, nosso mundo interior vem sendo habitado por essas jovens de beleza e destino ímpares.

A principal característica da princesa é ser bela, mas é isso que vai acabar lhe trazendo infelicidade. É pelo olhar ciumento de sua madrasta, perverso de uma rival ou vingativo de uma bruxa que ela terá consciência de seu poder de atração e da força de sua juventude. Ao vencer os perigos que a ameaçam, a princesa aprenderá muito sobre a fascinante potencialidade da beleza, do feminino e do desejo do outro.

Embarcando na magia dos contos de fadas que todas lemos, é isso que compreendemos e é sobre tal identificação que costumamos construir nossa imagem de nós mesmas: ser bela é ser desejável, no fim das contas. E o príncipe encantado chegará de algum lugar, a qualquer momento, para provar tal teoria, quem duvida?

A princesa dos contos não se dá conta a tempo de que o tal olhar selará o seu destino e não se protege dele. O curioso é que é esse mesmo olhar que, no fundo, acabamos por buscar, ao nos submetermos àquela vozinha interior que nos quer sempre mais belas, mais louras e mais jovens… Talvez algumas de nós se acostumem a este olhar e acabem por carregar consigo, vida afora, a noção de que estar viva quer dizer ser capaz ainda de despertar os olhares fulminantes das “rivais” à sua volta. Difícil de acreditar? Pois é, mas saindo do imaginário para o real, o prolongamento da juventude e da beleza é instigado pela mídia todo o tempo, e certamente nos alcançará mais se estivermos mais apegadas às nossas antigas fantasias de princesas.

No mais, as princesas dos contos de fadas não se contentam em ser belas. Diferentemente do comum dos mortais, elas tem o poder, trazido de nascença pelo título que as distingue. Mesmo quando a má sorte as obrigar a renunciar a seus privilégios e a esconder sua beleza, estejam cobertas de cinzas ou abandonadas na floresta, elas continuarão princesas, pois terão sempre um dedo ou um pé especial, algo único para ser “a” única, algo que a torna magnífica, diferente de todas as outras. Esse é o sonho da menina ou mulher que se quer princesa: um dia, graças ao suposto caráter extraordinário de sua pessoa e ao fato de ser, em sua fantasia, “a mais linda de todas”, ela terá o mundo a seus pés …

Eis que, nos últimos tempos, surgiu uma geração de princesas rebeldes. Entre elas, e na contra mão de tudo que foi mantido intocado ao longo de séculos, veio Fiona, a perfeita anti princesa. Fiona (princesa, magnífica, loura, etc.) usa de magia para se transformar um uma “ogra”, renuncia à sua beleza por amor ao ogro Shrek. Não é mais ao arquétipo da princesa que Fiona nos remete, e sim ao da própria beleza: ela nos faz pensar sobre o que é belo e o que não é. E nos remete à beleza essencial, interior e invisível, mas que arranja um jeito de brilhar, a partir de dentro, de qualquer forma.

É o que acontece na história de Shrek, e também com a Bela que termina por amar a Fera. Fiona, muito linda em sua beleza de princesa, fica para sempre também adorável como ogra. Sua beleza interior e seu amor por Shrek é que são luminosos. E o recado que o filme tenta passar às candidatas a princesa poderia ser resumido como uma proposta, a todas, de mudança das referências trazidas pelo arquétipo da princesa. Ficou um convite para sair do “com quem preciso me parecer para ser bela?”, para algo do tipo “como me conectar com minha beleza interior?”…