Todo mundo já reparou que os tempos estão mudando, e o formato das relações também, não é? Então, já seria de se esperar que as relações entre médicos e seus pacientes não permanecessem as mesmas, em meio às transformações sempre em andamento, certo?
É isso mesmo, mas lembrar de meus antigos modelos médicos me dá saudade. Nas faculdades de medicina, até algumas décadas atrás, muitas horas eram dedicadas ao estudo do que se considerava uma boa relação médico-paciente. É gostoso lembrar de como nos preocupávamos em assimilar os ensinamentos de nossos mestres de “psicologia médica”.
Hoje, no mundo todo, o que vem sendo chamado de “desumanização” da relação entre os médicos e seus pacientes tem sido objeto de estudos. Recentemente, foram publicados na França resultados de uma pesquisa reveladora: quase a metade dos médicos franceses admite diminuir os riscos de um procedimento ou de um tratamento para obter a melhor adesão de seus pacientes.
Poderíamos pensar numa certa deslealdade neste jogo? Parece que sim, pois os pacientes continuam quase sempre confiando inteiramente na palavra dos profissionais de medicina, afirma o estudo. Os divulgadores desta pesquisa comparam os resultados com os de outra semelhante, porém realizada nos Estados Unidos, em que o percentual dos que dizem aos pacientes só um pedaço do risco dos procedimentos é de apenas 10%. Como se sabe, existe uma tolerância muito baixa à mentira na cultura americana. Lá, mentir é algo que desonra alguém.
E no Brasil, o que temos visto? Uma curiosa e rudimentar versão nacional da atitude americana de “dizer a verdade” ao paciente tem ganhado mais e mais espaço. E em que consiste isso? Simples: sem medir as consequências de seu gesto, é comum médicos afligirem seus pacientes desnecessariamente, ao enumerarem para eles todas as suas hipóteses diagnósticas, inclusive aquela de pior prognóstico. Na maior parte das vezes, a pior das hipóteses não se concretiza. A pergunta é: será que o paciente precisaria mesmo passar por esse tipo de angústia? Será que isto se enquadra na atitude de “dizer a verdade” ao paciente? Ou seria apenas uma corruptela nacional do modelo americano? Já houve um tempo em que as coisas não funcionavam assim, e médicos costumavam também se preocupar com o estado emocional do paciente, em vez de despejar sobre ele um saber que não lhe ajudará em nada.
A relação médico-paciente é, comprovadamente, um dos mais importantes pilares para o sucesso de um tratamento. Anda, entretanto, adoecida. Embora não seja impossível, vem se tornando árdua a tarefa de encontrar um profissional de medicina que literalmente olhe e converse com seu paciente manifestando genuíno interesse. Parece que cada vez mais profissionais permanecem focados apenas em seus computadores, durante as consultas. Exames físicos vem se tornando raros e superficiais, e a atenção maior foi desviada para os números que virão nos resultados dos exames. Ao paciente não cabe fazer perguntas. Caso as faça, receberá apenas respostas evasivas. Ao que tudo indica, anda mesmo difícil combinar empatia verdadeira, atenção, respeito e honestidade.
Ah, sim, e voltando ao início da conversa: além de tudo isso, por aqui também temos o hábito de minimizar os riscos para maior adesão dos pacientes ao tratamento.
Prova disso são nossos números de operações cesarianas, que nos colocam num nada glorioso primeiro lugar mundial na ocorrência deste tipo de intervenção.
Mas esta já é outra história…