Seio ou mamadeira: uma escolha, de verdade?

Geral
11.set.2018

Embora a Organização Mundial da Saúde recomende o aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida, dados recentemente divulgados pela entidade afirmam que hoje são 38% dos bebês no planeta que se beneficiam desta prática. A OMS, através de campanhas, visa alcançar os 50% até 2025. Louvável iniciativa, que tem recebido grande apoio  em alguns países de primeiro mundo, onde um “retorno às raízes” vem soando como algo muito glamoroso. Atrizes, “celebridades”, ao se tornarem mães passam a se exibir agora quase como reedições da Virgem e seu menino. Sacralizadas, exortam a amamentação como sendo uma das melhores experiências de suas vidas. Até concordo, mas tal unanimidade e “marketização” de algo que, até poucas décadas atrás, simplesmente fazia parte da vida, me parece um tanto esquisita. Por que isso? O que está acontecendo ao nosso redor, enquanto estamos aqui conversando?

Há hoje uma tendência crescente de radicalização e grupos “pró” e “contra” qualquer coisa proliferam. Com tal intolerância brotando em toda parte, entre as partidárias da amamentação natural e as do aleitamento artificial se aprofunda o fosso que as divide, os dois grupos se comparam e se combatem. A busca por legitimar a maternidade através da amamentação acontece há muito tempo. Eu me lembro da questão sendo levantada e discutida nos anos 80, depois nos 90… hoje olho para trás e vejo que há muito mais a esperar por cada uma dessas mães, assim como há muito esperando por seus maridos como pais. Muitas escolhas, tão relevantes quanto esta inicial, vão se apresentar. E hoje aprendi, às vezes apanhando bastante, que nada é garantido na vida. Não adianta tentar fazer tudo seguindo um modelo, qualquer que seja, quando lidamos com gente: é o imponderável que se encontra à nossa frente. Não há fórmula exata para nada, em se tratando de relacionamento humano. Portanto, seria o caso de reunir os dois grupos e dizer: vão cuidar de suas vidas, de seus filhos, cada uma do seu jeito e deixem-se em paz. Aproveitem o tempo que estão ganhando ao deixar de discutir para viver mais intensamente o presente. 

Mesmo que o debate tenha tido uma certa constância desde, digamos assim, a invenção da mamadeira, as redes sociais vieram mudar a  situação, fazendo a discussão subir de tom. Para muitas mulheres, ser mãe significa aleitar, mesmo que de maneira mista, até os 6 meses. Isso já é um pouco mais flexível que a recomendação oficial, mas continua sendo uma norma, daquelas bem exigentes para alguém que trabalha em tempo integral, principalmente. Alguns médicos tem relatado que muitas mulheres, ansiosas por aderir à “norma”, se forçam a amamentar, mesmo rejeitando a experiência. Recentemente, na França, houve uma grita geral por parte de milhares de mulheres que afirmavam querer ter de volta o direito de escolha, de decidir o que fazer a respeito. Rebelaram-se contra o que chamam de “um ideal materno opressor”. A líder do movimento declarou que recorrer à mamadeira não transforma nenhuma mãe em egoísta. Com tudo virando motivo de protestos contra o  cerceamento da liberdade, faz até sentido o movimento.

A intolerância também vai encontrar as mães que optam pelo aleitamento. Muitas das que amamentam seus filhos reclamam do constrangimento que sentem ao fazê-lo em público. Relatam olhares reprovadores, reforçados por ataques virulentos nas redes sociais. Os críticos dizem que elas deveriam procurar banheiros para amamentar seus bebês quando estão no espaço público. Que tal? Resumindo, vivemos um tempo em que as mães nos contam que, quer escolham amamentar ou dar mamadeira a seus bebês, se veem julgadas.

Como ajudar as  mães neste nosso tempo de tanta intolerância? Para especialistas, seria essencial que os órgãos oficiais compreendessem que, mais que o ambiente social, é a história pessoal de cada mulher que está em jogo na hora da escolha. A clínica psicanalítica mostra que a experiência de aleitamento atualiza fantasias inconscientes da mãe (de ser devorada, de cometer um incesto, de contaminar seu bebê… ) que podem causar medos e inibições. Mexe profundamente com a pessoa. Por que negar esta dinâmica quando seria preciso, ao contrário, leva-la em conta na hora de orientar uma jovem mãe?

Sabemos que a unanimidade não é desejada, as pessoas são diferentes, tem suas próprias histórias, fantasias, necessidades e desejos. Mais do que normas rígidas, julgamentos apressados e tentativas de enquadramento, nossas jovens mães precisam é de que as pessoas ao seu redor se mostrem atenciosas e dispostas a apoiá-las nesse período, já que sua influência importa e muito. E mais ainda quando se tratar do parceiro, a quem basta  não mais que uma palavra ou uma atitude para encorajar – ou desestabilizar- aquela que se esforça para atender bem o seu bebê.

 

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