Sutilezas na comunicação a dois

A Dois
23.set.2014

Um questionamento muito comum em se tratando da convivência entre um casal é o que cada um deve dizer ao outro acerca do que pensa. Seria deslealdade não se dizer tudo ao outro? Algumas décadas atrás, circulou a corrente ideológica da transparência total mútua como “prova de amor”. Na verdade, eram mulheres as que adotavam tal atitude e não se via reciprocidade na população masculina para tal exagero.

Hoje, acredita-se que seria mesmo a demonstração de certo grau de civilidade ter a delicadeza de não ser totalmente franco. Até para poupar o outro de verdades que ele sabe, vê, mas que lhe são desagradáveis de ouvir. Além de indelicado, considera-se uma atitude hostil ou até agressiva a insistência em dizer a alguém algo que não é de seu agrado.

Assim, casais que supostamente adotassem uma atitude de total transparência um com o outro, seriam hoje olhados  como uma espécie de “dois-fundidos-em-um” e não como um casal de verdade. Exigências confessionais de parte a parte são tidas, atualmente, como atos de violência que se equiparam a verdadeiros estupros psíquicos. Isso porque, por uma questão de preservação da integridade psíquica individual, passou a ser recomendável que algo de pessoal e íntimo fosse preservado na relação a dois. Algum mistério sobre si mesmo deveria ser mantido, não por estratégia de sedução, mas para a saúde da própria relação.

Uma crença equivocada, mas ainda presente em nossos dias, é a de que a palavra e a verdade sempre “libertam” e resolvem tudo. Não é assim e pode-se até afirmar que um dos meios de nada se dizer é, precisamente, se dizer tudo. Numa conversação incessante, o que seria de fato relevante se perde. Instala-se, em vez disso, uma avalanche permanente de palavras, onde só a tagarelice é externada.

Falar muito ou ficar em silêncio na relação a dois pode ter diversos significados, dependendo das circunstâncias. Vale lembrar como a violência inerente a uma relação amorosa se apresenta através da linguagem, mesmo sem passar por ofensas ou alterações de voz. A violência vai estar, por exemplo,  no silêncio daquele que não responde, ignorando sistematicamente o outro que tenta conversar.

Entre casais que buscam terapia, as dificuldades na comunicação são uma das queixas mais frequentes. Mesmo quando não existe entre os parceiros nenhuma intenção de ferir, palavras ditas por um dos lados vão inadvertidamente tocar numa zona emocionalmente fragilizada do outro, que se sente atingido e rejeita o parceiro de volta.

Essas feridas, voluntária ou involuntariamente impostas, vão se acumulando e permanecem ao longo dos anos. O estrago de conversas mal resolvidas, não passadas a limpo, faz com que passe a existir um afastamento entre os cônjuges,  começando a relação a se degenerar.

Se a deterioração da relação evolui, não há muitos caminhos para os papéis de cada um na relação a dois. Na primeira hipótese, há um que sempre se cala e o outro que questiona, exige, critica. Outro modelo é aquele em que os dois se queixam e não se escutam. Nesse caso, pode até surgir uma competição: quem sofre mais na relação?

Outro padrão frequente é aquele em que um não perde tempo em, sempre que possível, apresentar ao outro análises tendenciosas acerca da sua imperfeita forma de funcionar. De qualquer maneira, a comunicação é esfacelada e as pessoas simplesmente deixam de se entender. Falar torna-se inútil.

O trabalho de um terapeuta de casal pode ser fundamental no resgate da comunicação entre casais, antes do estrago total.  Seu papel nesses casos seria o de assegurar que um dos lados entenda realmente o que o outro quer lhe dizer. E a seguir, ajudar um e outro parceiro a ajustar a sua palavra, de forma a estar certo de que ela traduz aquilo que ele sente necessidade de exprimir.  Levando em conta, sempre, as características e a sensibilidade de seu conjugue.

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