Uma forma de abuso emocional

Mulher
28.nov.2017

Nos dias de hoje, em que somos acossados pela violência explícita vinda de várias frentes, também somos muitas vezes testemunhas ou mesmo vítimas de um tipo de violência mais difícil de se visualizar e nem por isso menos virulenta. Essa violência advém de relacionamentos com pessoas perversas, que elegem uma vítima e passam a se dedicar à tentativa de destruí-la. Já que não é possível matá-la fisicamente, tentam assassiná-la moral, emocional e socialmente. Este tipo de ação vem sendo estudada por especialistas nos últimos anos e recebeu o nome de assédio moral – uma forma de abuso emocional.

Mas afinal do que estamos falando? O que é um indivíduo perverso e mais, o que estamos chamando de uma relação perversa? Os estudiosos do assunto definiram indivíduos perversos como sendo aqueles que, sob a influência de seu grandioso eu, tornam-se capazes de sempre criar uma relação peculiar com uma segunda pessoa. Neste tipo de relação característica, o sujeito perverso ataca particularmente a integridade psíquica do outro, visando desarmá-lo e deixá-lo à sua mercê. Assim, são atacados igualmente o amor-próprio do outro, sua confiança em si, sua auto-estima e a crença em si próprio.

Todas as pessoas estão sujeitas a terem momentos de perversidade moral do tipo descrito, em suas relações com os outros. A diferença é que os verdadeiros perversos só sabem se relacionar dessa maneira em todas as esferas de sua vida. Movidos por um egocentrismo extremado e uma total falta de empatia pelos outros, esses indivíduos ainda sentem uma enorme inveja dos que parecem possuir o que eles não têm ou daqueles que, simplesmente, têm prazer com a própria vida.

O perfil das vítimas também tem sido estudado dentro da vitimologia. Durante muito tempo, dizia-se que a vítima da pessoa perversa seria masoquista. Hoje em dia, entretanto, sabe-se que são pessoas bem dotadas, cheias de vitalidade e colaborativas. São seduzidas para se enredar numa relação destrutiva, justamente a partir de seu feitio doador. É desse feitio que o agressor tira partido, ao se apresentar como alguém a quem a vida lesou e que necessita muito de proteção e carinho. A maior vulnerabilidade das vítimas é que elas não se vêem como realmente são. Têm dúvidas quanto a sua própria capacidade. Isso faz com que criem para si o desafio de mudar o outro, provando assim sua força e seu valor.

O processo de desqualificação de alguém geralmente leva anos, especialmente em relações familiares, onde os cônjuges e os filhos são as vítimas mais comuns. No início, não há palavras explícitas, apenas olhares de desprezo, alusões malévolas e críticas dissimuladas. Um dia vem o momento crucial, quando surgem as palavras. “Você é mesmo uma pessoa muito complicada”, diz, por exemplo, um pai a uma filha.

Durante muito tempo, a vítima, confusa, não compreende o que se passa com ela. Mas quando enfim se dá conta e resolve reagir, rompendo com o seu agressor, desperta a ira do perverso. E é aí que a violência se torna intensa, explícita e implacável. Alguns perversos passam a dedicar sua vida à tentativa de destruir o outro. Essas pessoas até podem parecer se ocupar de outros projetos, mas o único que realmente lhes importa é o de tentar destruir quem ousou lhes abandonar.

Mas como é levada a cabo tarefa tão ambiciosa? Bem, para tal é preciso que sejam criadas o maior número de mentiras acerca da idoneidade da vítima, que passa a ser a culpada de tudo o que aconteceu (de ruim) ou deixou de acontecer (de bom) ao agressor. É bom lembrar que o indivíduo perverso não experimenta o menor sentimento de culpa por agir assim, pois já vimos como ele é incapaz de sentir empatia ou compaixão por outro ser humano.

Como em todos os demais casos de abuso, a vítima precisa de alguém que acredite nela, para ter forças e reagir ao massacre. Muitas vezes, basta que uma só pessoa acredite e apoie a vítima para que ela comece a se reorganizar emocionalmente. No meio cultural individualista em que vivemos atualmente, esse tipo de ataque está se tornando mais comum. Precisamos todos ter cuidado pois, a pretexto de sermos tolerantes, podemos estar sendo complacentes com uma situação desse tipo próxima a nós, facilitando assim a atuação perversa.

( esse artigo foi publicado originalmente como “As vítimas da perversidade” no jornal ‘O Globo’, em 2002)

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