A verdadeira gentileza

A Dois
18.set.2018

Há não muito tempo atrás, acreditava-se que, para ter sucesso, alguém deveria mostrar-se um tanto duro e egoísta. Pessoas gentis poderiam ser vistas como “bobinhas” ou ingênuas no mundo corporativo. Ao que tudo indica, tais conceitos começam a não ser mais necessários ou mesmo aceitos hoje. Em nossos dias, a gentileza, que abrange generosidade, benevolência e altruísmo, vem se tornando parte inseparável da proposta do “viver bem”. Esta é uma evidência confirmada por estudos científicos que ultimamente tem revelado o quanto “ser gentil”, num sentido mais amplo, faz bem à saúde psíquica.

Otimismos à parte, estamos ainda em fase de consolidação dessas mudanças, o que significa que tendências individualistas   vão ressurgir aqui e ali. Se hoje a gentileza é um valor em ascensão, ainda é preciso estabelecer os seus verdadeiros contornos. Sem perceber, convivemos com uma grande quantidade de “falsas gentilezas”. Digamos, por exemplo,  que alguém pode ser extremamente gentil na aparência, mas na realidade está sendo apenas manipulador e  calculista, mostrando-se assim até atingir seus fins. Não é tão raro assim, não é? Frequentes também são os que se mostram gentis, obsequiosos até, por medo do outro, tentando afastar de todo jeito qualquer confronto. Porque há quem tema revelar, numa discussão, um lado que considera “sombrio”, por ser agressivo e irracional. A gentileza funciona, neste caso, como uma espécie de escudo, impedindo este lado de se manifestar. Há também aquela gentileza que se expressa por excesso de zelo, quando queremos ser notados e reconhecidos. Ou aquela “exemplar”, só para mostrar ao outro como gostaríamos que fizesse conosco.

Mas aonde se encontra, então, a tal gentileza? Quase não dá para imaginar mais do quê se está tentando falar aqui…

Comecemos assinalando que, para exercer a gentileza de verdade, será preciso aprender a perceber quando queremos mostrar nosso descontentamento, ao invés de sorrir. Centrados em nosso próprio eixo, senhores de nós mesmos, saberemos então como ser plenamente gentis.  A gentileza verdadeira surgirá espontaneamente,  em relações igualitárias e autênticas, que passamos a construir tão logo aprendemos a afirmar nossas necessidades e a escutar as dos outros. Em relacionamentos assim, passamos a entrar em conflito sem violência e a gentileza acontece de forma natural. E como é isso, “de forma natural”? É que a gentileza costuma florescer dentro das relações de confiança, aquelas onde nos permitimos ser vistos pelo outro em nossa configuração mais autêntica, sem medo de sermos julgados ou abandonados.

Pode-se dizer que a verdadeira gentileza manifesta-se através do respeito por si mesmo e pelos outros. Em vez de ser um disfarce da fraqueza de alguém que se submete ao outro, ela terá se tornado a força que autoriza esse alguém a se abrir a esse outro. E é assim que nos tornamos gentis apenas porque desejamos sê-lo. Porque nos sentimos melhor assim, e elegemos esta forma de viver.

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