A relação amorosa vem se modificando, como acontece sempre, acompanhando a mudança dos tempos. Entretanto, com alguma frequência, há algo novo surgindo e que poderíamos descrever como um “estado de suspeição permanente”, que merece nossa atenção. Trata-se de um comportamento onde não se veem mais crises de ciúme aqui e ali, mas sim a quase obsessão em controlar as possíveis infidelidades do parceiro amoroso. E por que?
É que hoje existem não apenas traições reais como virtuais. O incentivo à infidelidade até virou um bom negócio, com sites especializados na busca de parceiros para sexo casual. Por outro lado, novidades tecnológicas voltadas para o campo afetivo sexual vem se especializando em ajudar a quem se interessar a encontrar as vidas paralelas de seus pares amorosos. O tempo do bilhetinho achado num bolso há muito ficou para trás. Em questão de ciúme, o domínio da vez é do rastreamento.
Hoje, homens e mulheres aflitos gastam grande parte de seu tempo investigando a movimentação de seus parceiros nas redes sociais. O que não percebem é que criam uma espécie de prisão para si mesmos, tornando-se reféns de sua suspeição. O que pensar então do estilo de vida de tempos atrás, quando até telefonar era complicado e não havia um meio de se estar junto? Passava-se grandes temporadas fora da vida uns dos outros, se necessário fosse. E todos sobreviviam. Hoje, os casais estão constantemente conectados, trocando suas mensagens instantâneas.
Em conversa coloquial, alguém dia desses observou-me que, mesmo com toda essa proximidade, há no mercado dispositivos que, se instalados no celular de alguém, funcionarão como “hackers” e permitirão ler mensagens e saber onde a pessoa está. Provavelmente, algo parecido com os usados pela polícia nos últimos tempos.
Mesmo considerando o quanto pode ser difícil aos mais inseguros resistir à sedução da possibilidade de controle do outro, este é um jogo que as pessoas montam para si, onde certamente não há chance de vitória. Não importa o que se descubra: pode ser acessar coisas que somente ao outro pertencem, pois cada um tem direito à sua intimidade e a seus segredos, ou simplesmente constatar o que o outro faz com seu tempo. De qualquer forma, trata-se de uma atitude muito difícil de ser perdoada, quando for descoberta.
Parece que a questão central, na nova era das relações amorosas, passou a ser como aceitar que não se pode saber tudo sobre o outro, se os meios para tudo saber existem e estão ao alcance de todos. Na atualidade, as relações amorosas precisam cada vez mais se fazer acompanhar de um compromisso inédito consigo mesmo, parte de cada um, que é admitir saber do outro apenas o que nos é oferecido, como sempre foi, aliás. Isso quer dizer obrigar-se a não tentar controlar o outro, bisbilhotando seu telefone ou seguindo suas movimentações virtuais. E procurar viver, com tranquilidade, apenas a sua vida real.
É bom lembrar que o ser humano é o mesmo de sempre. Ou seja, o fato de se aprimorarem as ferramentas de controle não fará com que as pessoas mudem sua natureza. Como sempre aconteceu, quem quiser transgredir driblará qualquer tipo de controle. Saber a todo momento onde o outro está, ou o que o outro faz pode até trazer um sentimento de poder. Mas é imensa a possibilidade de que indivíduos que adotem as medidas de controle descritas aqui não encontrem a paz desejada, mesmo dentro da solução que acreditam ter obtido. Pois o simples fato de viver se angustiando com eventuais mentiras do outro já evidencia a situação emocional bastante frágil de alguém.