A literatura está cheia de heróis vingativos, que oscilam entre vítimas e algozes: seria a vingança algo, digamos assim, “doce ao coração”? Alguns dirão que sim, outros que não. De certo mesmo, só o fato de que a vingança tem uma dimensão trágica, à qual a natureza humana dificilmente consegue escapar.
Como ela nasce? Imaginemos uma experiência que nos feriu profundamente em nosso amor próprio e o ódio surge: ele será o ponto de partida para a vingança. A seguir, haverá a mobilização de uma fantástica energia afetiva, a se “cristalizar” em torno do evento emocional. É a urgência absoluta de reagir a uma afronta considerada intolerável que faz nascer os sentimentos vingativos, que prosperarão às custas da necessidade de manter o sentimento de intolerância elevado, sem trégua. O dano causado tem que ser visto como irreparável, já que os que buscam a vingança julgam que somente ela possuiria o poder de reparar sua dignidade, perdida quando foram renegados ou humilhados. É como se a vingança restaurasse, ao punir o culpado, a integridade da vítima, ao menos do ponto de vista dela. Como explicar, porém, o grande número de vinganças que, ao contrário de reparar um sentimento de perda, são seguidas de sentimentos de tristeza e de incapacidade de tocar a vida?
Diversos estudiosos vem se dedicando a estudar a vingança. Os pesquisadores em psicologia americanos Kevin Carlsmith, Timothy Wilson e Daniel Gilbert estudaram as consequências emocionais da vingança naqueles que a praticam ou praticaram. Suas conclusões: a pessoa que se vinga corre o risco de se fixar na lembrança de seu sofrimento, de criar raízes no passado e se deixar paralisar. A punição imposta ao desafeto também bloqueia a possibilidade de transformar a dor em satisfação. A ideia de que alguém se consolará do que sofreu graças à vingança é ingênua , afirmam.
O psicanalista francês Gerard Bonnet criou o interessante conceito de “vingança positiva”, que consiste em aprender a transformar a experiência negativa da emoção sentida em algo positivo. Nesta “vingança”, o que afetou alguém se transforma numa força destinada a construir qualquer coisa: assim é que se passará da auto recriminação à afirmação de si, da vergonha ao orgulho, da tristeza à alegria. Esta capacidade de se “vingar positivamente” está em nós, é interna. A ideia é investir a energia do sofrimento num desejo pessoal, de forma a permitir que alguém venha, entre outras coisas, a se afirmar frente ao outro, a partir daquilo que possui de melhor em si.
Já para outro autor, o filósofo Jean François Bossy, tudo o que está descrito acima tem outro nome, chama-se “revanche”. Segundo ele, esta é a alternativa saudável: em oposição à vingança, que destrói nossas metas de vida e a nós mesmos, é possível nos orientarmos para uma busca tranquila e sossegada, a de uma realização progressiva de nossos desejos. Ao optarmos por uma lógica construtiva, nosso objetivo será alcançar nossos objetivos, e deixaremos de dar atenção ao mal que nos foi feito e a seus autores.
“A revanche supera, sublima e transforma a vingança”, finaliza Bossy. Nada mais verdadeiro, na minha opinião! Tudo isso me traz à mente um pensamento recorrente: um dos maiores segredos dos que aprendem a viver em equilíbrio, independentemente de qualquer corrente de pensamento psicológica, religiosa ou filosófica, me parece ser a possibilidade de desenvolver a característica de procurar o que há de positivo em cada experiência, por mais avassaladora que seja.